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Tokaji Aszú e o Elogio Inesperado


Stefano saiu do Uruguai pensando ter evoluído em questões que antes lhe tiravam o sono. Sentiu-se confortável. O que havia aprendido, tanto com as suas próprias reflexões, como com a experiência de Gonzalo, lhe davam estrutura para arriscar novas aventuras. Conhecendo a si mesmo, ao menos um pouco, fica mais fácil de decidir para onde se quer ir ou o que conhecer de outros lugares.

A sua passagem era com destino a Londres, mas Stefano não estava sentindo um desejo de se aventurar por aqueles lados, pelo menos por enquanto. Não que a Inglaterra não lhe agradasse, certamente haveria inúmeras experiências únicas na terra da rainha, apenas não era o momento.

Uma vez desembarcado em Londres, nosso enofriend não encontrou voos disponíveis e que se encaixassem no seu radar. Acabou ficando em uma lista de espera, juntamente com algumas pessoas que se amontoavam na frente do balcão da Cia. aérea.

À sua frente, Stefano avistou um casal já com uma certa idade, que parecia estar embarcando para sua segunda lua-de-mel. Com um vistoso penteado, bem arrumado, ao estilo da vovó, a senhora recebeu em seu rosto rosado um beijo de seu marido que se afastou do balcão por alguns instantes.

Stefano ficou a observar a senhora que fitava seu amado, de terno cinza e um inconfundível Borsalino Fedora, a sumir pelo saguão. Ela se distraiu por alguns momentos com seus documentos, passagens, passaportes, quando de repente é surpreendida pelo gentil toque de uma pétala em seu rosto.

Seu marido havia retornado e trazia uma singela margarida de presente, cheia de sentimentos. A derretida esposa, olha-o como se estivesse ouvindo harpas tocada por anjos, e diz em um sorriso e com um acento britânico inconfundível:

- What a lovely gesture! You know how much I love Daisies.

- I like surprising you…. A flower... A compliment... always when least expected! Responde o marido.

Cena linda, pensou Stefano com seu carrinho com apenas uma mala. Eles devem, certamente, estar fazendo essa viagem para celebrar sua segunda lua-de-mel, apesar de aparentemente ainda estarem vivendo a primeira.

A alegria do casal parece ter trazido sorte para Stefano que consegue um lugar no vôo que o levaria para a Hungria; em algumas horas estaria diante de Budapeste e de uma folha de papel em branco para preencher.

Desembarcando em Budapeste, com a brisa do Rio Danúbio a fazer brincar as folhas do guia turístico do Leste Europeu, Stefano se refugiou numa espécie de taberna frequentado pelos tipos que deviam aterrorizar a turminha do outro lado da cortina de ferro. Naquela tábua de tragos, havia um senhor que protegia uma garrafa com muito mais afinco que pedia proteção a Santo Estevão, santo esse onipresente em Budapeste.

Num inglês diretamente de Moscow, o aparente cosaco disse se tratar de um vinho produzido ali próximo, cerca de 200km de Budapeste. Doce como um discurso de Lenin e macio como a eterna bandeira grafada CCCP dançando ao vento num domingo de agosto na Praça Vermelha, assim era o vinho nas palavras do camarada.

Ahhh a velha camaradagem comunista.... Ao demonstrar interesse no vinho e na história do companheiro, o tal começou a discursar sobre esse fenômeno do leste:

- Aqui, produz-se o vinho mais doce, mais puro e com as melhores uvas de todo o mundo! O ocidente curva-se diante da exuberância do Tokaji, caro menino do novo mundo.

O amigo comunista estava muito entusiasmado em poder apresentar ao forasteiro que seu mundo, apesar de não mais existir, era ainda capaz de surpreender.

Palestrava ele que o Tokaji, produzido na região de Tokaj-Hegyalja pode ser composto de apenas 6 vinhas, Furmint, Hárslevelű, Moscato Gialla, Zéta, Kövérszőlő, Kabar. Esses vinhedos são acometidos do mesmo fungo que ataca as já visitadas vinhas de Sauternes, o botrytis.

O cosaco bebia um Tokaji do tipo Aszú, que de tão emblemático é citado no hino nacional húngaro, e facilmente supera os 14% de graduação alcoolica, talvez daí a sua adoração. Esse vinho era novidade para Stefano, não só pelo vinho em si, mas pela localização onde é produzido e pelo valor que lhe é dado em um lugar de onde não provém qualquer tradição vinícola, certamente uma surpresa.

O único destino disponível, a Hungria, sem qualquer razão que chamasse a atenção do nosso globetrotter, acabou o regalando com a mais incrível e doce surpresa. Da Hungria para Stefano, a compliment when least expected!