Um bom Ano e o Chateau la Canorgue

Um bom EnoFriend não é só sobre beber vinhos. Existe toda uma gama de oportunidades nas quais o vinho está presente. Tanto como um grato coadjuvante ou, vez que outra, como um competente protagonista.

Assim, além de falar sobre os vinhos que aparecem pelo meu caminho, pretendo trazer histórias de livros, filmes, ou qualquer outra forma de expressão que possa se mostrar relevante.

Tempos atrás foi lançado o filme “Um bom ano” (A Good Year), no qual um broker da bolsa de Londres herda um Chateau na Provence e na viagem que faz ao lugar para acertar a papelada e vendê-lo, acaba se descobrindo apaixonado pela região e suas peculiaridades.


Achei os lugares onde o filme foi gravado sensacionais, os vinhedos ficam próximos à cidade de Bonnieux, no Chateau la Canorgue e integram a Appellation Côtes du Luberon. Segundo seu vigneron, os vinhedos são cultivados sem qualquer produto químico ou sintético, apenas produtos naturais e lots of hard work.


De fato, não sabia da existência desse chateau, apesar de descobrir que possui muito boas reviews dos seus Blanc Marsanne 2007 e Syrah 2005. Além dessas duas, são também cultivadas as cepas Grenache, Mourvèdre, Merlot, Cabernet Sauvignon, Roussane, Viognier e Rolle.

É sem dúvida um filme divertido, tendo a produção de vinhos como um belo pano de fundo.

Hoje pode ser um dia especial

A experiência sobre o vinho desse post é uma história do grande amigo, destemperado e enólatra Diego Fabris, mostrando que as coisas boas da vida devem ser aproveitadas ao máximo, sempre. É contigo, Dieguito.

Quando era pequeno, ganhei uma camisa do Milan de presente. Adorava ela, achava a coisa mais linda do mundo e me sentia insuperável com ela. Não emprestava pra ninguém e usava ela só nos aniversários dos amiguinhos mais importantes ou no dias marcantes do colégio.

Guardada a 7 chaves, a mais bela do armário. Assim era ela: a camisa do Van Basten. Estufava o peito e encarava o que viesse. Usar ela já tornava o dia mais especial. Um dia normal ganhava outros ares e incrivelmente, ela trazia alegrias novas pra minha vida.

Até que um dia ela, a tal camisa, foi pra lavar e encolheu. Lágrimas e cara fechada. Um dia que mudou a minha vida. Um divisor de águas na vida de um moleque serelepe. Depois dali, decidi que não ia mais guardar tanto as coisas, que ia usar mais elas numa batida carpe diem. Ganhou? Sai usando, que nem criança na noite de Natal.

Cerca de duas décadas depois, camisas de time já não me causam tanta preocupação. Outra paixão assumiu esse lugar, o vinho. Mas não pense que aquela ferida do passado foi embora. Ela ainda me acompanha. Talvez por isso eu nunca tenha guardado um vinho por tanto tempo na adega.

O paladar vai ficando mais exigente. Os vinhos na estante vão ficando mais caros. A minha carteira reclama. Mas uma coisa persiste, compro um vinho e bebo em um ou dois meses no máximo, independente do naipe dele.

Eis que surgiu na minha vida o Achaval Ferrer Quimera 2003. Esse mendocino tremeu tudo. Já havia bebido uma vez e sabia que se tratava de um vinho marcante, forte. Meu amigo Gornatti comprou um exemplar para a adega da firma, me olhou e disse: “esse aqui a gente vai beber num dia especial”.


E lá estava a garrafa repousando quieta a espera de “um dia especial”. 6 meses se passaram e nada. A gente olhava pra ela todo o dia e virava a cara. E se essa “menina dos olhos” resolvesse perder o valor como a camisa de outrora? Nenhum de nós se perdoaria.

Numa certa quarta-feira, decidimos por fim aquilo. Cansamos de esperar. É hoje! Gornatti preparou a garrafa resfriando-a um pouco naquela noite quente. Como mágica, a garrafa mudou a noite. Alguns minutos depois, recebemos uma ligação do único amigo que faltava àquela mesa. “Vou ser pai”. Incrível. Era sim um dia especial. E seria de qualquer maneira. Pois abrimos a garrafa e a degustamos com a certeza de que se trata de um vinho excelente.

Dizem os entendidos que temos no Quimera um vinho concentrado, com um corte típico bordalês acrescido da grande cepa argentina, o Malbec. A composição? 37% de Malbec, 28% de Merlot, 25% de Cabernet Sauvignon e 10% de Cabernet Franc. Todas estas se encontram e tem tempo de sobra pra se conhecer nos 12 meses que passam juntas nas barricas de carvalho francês.

Eu não sou um especialista. Sou um desses enofriend. Mas digo com certeza absoluta que o Quimera tem a capacidade de tornar qualquer dia especial. Não amanhã, hoje.

Friozinho na Barriga



Sabe, dizem que não devemos ficar nervosos... não faz bem, é ruim, prejudica, faz com que não se aproveite as coisas, etc. etc.

O nervosismo bloqueia, engana e desnorteia. Safadinho esse carinha... As vezes, quase imperceptível, só se nota que ele deu as caras depois, quando já passou e tu já está no corredor.

Esse lance de se enervar não é bem visto, onde já se viu ficar nervoso com as coisas??? Não precisa.... vai com calma, vai dar tudo certo... ah... não me venha com não me venhas...Eu fico nervoso... fico e pronto... Tipo, tô nervoso agora!!

Ah tô, pode apostar. Sá porquê? Porque a coisa importa. Eu fico nervoso quando a coisa importa. Manja o friozinho na barriga? É ele, o nervosisminho te enchendo a paciência, colocando minhoquinhas na tua cabeça, plantando pimentinhas no teu estômago.

Ruim? Claro... que não. Vou te dizer, as vezes acho que talvez fosse melhor nunca ficar nervoso, ser um homem de gelo. Mas daí penso que o inverso de ficar com o tal frio na barriga em determinadas situações não é segurança total e sim, insensibilidade.

Longe de mim querer ser insensível, longe de mim querer levar a vida sempre no mesmo volume, meio morno...Por isso, eu atesto: fico nervoso, ansioso, toda a vez que algo importante está para acontecer.

As coisas são assim, desculpem a redundância, mas tudo o que importa, importa! E em assim sendo, vem o friozinho na barriga para nos lembrar que os desafios devem ser encarados com vontade e seriedade, sempre buscando fazer o melhor e da melhor maneira possível.

Já falei que tô nervoso né? Pois é, eu tô! Não que eu não me importe com as outras vezes que escrevo, mas é que dessa vez é diferente.

Quero falar sobre o vinho que mais me deixa feliz quando eu bebo (não é o com maior graduação alcoólica). É um vinho espetacular, vencedor com louvor da Primeira Enocopa e que pela dificuldade de se encontrar por aqui, acaba sendo reservado e contribuindo para momentos únicos.

É o absoluto: Domaine Ott Couer de Grain - Chateau de Selles Cru Classé - AOC Côtes de Provence.


Em 2007, numa viagem que fiz à França, experimentei o "Ott" pela primeira vez em Menton, e toda a vez que encontro não resisto. Ok, que num lugar desses fica fácil gostar das coisas...

Mas a verdade é que esses francesinhos sabem das coisas, eles não simplesmente jogaram uvas num barril, os caras capicharam... olha a explicação deles para a seleção:

Cabernet Sauvignon: pela sua complexidade, elegância no blending e vigor;
Grenache: pelo calor que adiciona ao vinho;
Cynsault: pela sua finesse;
Syrah: em pequenas quantidades para arredondamento e cor.

Dizem os entendidos que ele vai muito bem com salmão marinado com endro, Coquilles Saint Jacques, e suínos com tempero agridoce.

E depois não querem que eu fique nervoso?



Eu confio na Enocopa

Imagine o cara que jogou tudo no “preto” e deu “vermelho”... esse é o cara que apostou no ouro quando todos investiram na prata... esse é o cara que esperou, quando todos correram e correu quando todos esperaram... na vida fazemos escolhas, acertamos e erramos, estamos lançados à sorte. Assim ela é, a vida, sempre quieta, a espreita, parece que a espera para nos mostrar who’s in charge.

Que bom! Fico feliz em saber que o acaso ainda é responsável por grandes questões da vida. Por mais que se tenha programado, acertado e corrigido sempre pode vir o inesperado e, sem cerimônia, acabar com teus planos. Imagine se pudéssemos controlar a chuva? Agricultores contra vinicultores, cada um querendo a chuva a seu tempo e a sua intensidade. Não haveria sossego para o pobre operador de água e o SAC da Rain S.A. seria campeão de audiência em qualquer Procon.

Há várias situações que não controlamos. Um belo por-do-sol, cheio de cores, constrastes, num céu mesclando entre o laranja e o azul... não tem preço e por isso não está disponível. Não se pode controlar a hora que ele vai acontecer, levando o dia e trazendo a noite, desse jeito, se pode, ao máximo, admirá-lo, controlá-lo jamais.

Dias desses, apostamos todas as fichas no vermelho e deu vermelho... ou melhor, apostamos todas as fichas no rosé e deu rosé. Fizemos em Torres, a primeira edição da Enocopa. O evento de maior sucesso no Litoral Norte Gaúcho. Uma competição para eleger o vinho rose que mais agradasse a um criterioso e entendido corpo de jurados, sendo que o vencedor se sagraria o primeiro campeão da tal Enocopa, a do reclame de janeiro de 2010.

Entre os competidores tínhamos:

Argentina: Finca La Linda – Rose Malbec 2008.

Chile: Aquitonia - Cabernet Sauvignon Rose - 2008.

França sub-2006: Jean Luc-Colombo – Cote Bleue – 2006 (Appelation Côtes d’Aix en Provence).

França sub-2007: Lês Bateaux –Syrah - 2007.

França sub-2008: Domaine Ott – Chateau de Selles – 2008 (Appelation Côtes de Provence).

Italia: Cantina Zaccagnini - Montepulciano d’Abruzzo.

Nova Zelândia: Sanctuary - Sauvignon Blanc – 2008 (pra nao dizer que somos racistas tinha um vinho branco)

Portugal: Cabriz – DOC Dão – 2007

Menção honrosa para o famoso Mascacello, limoncello artesanal, que deu o ar da graça e aguçou o paladar dos populares.

Bem amigos....olhando essas garrafas perfiladas, lembro que voltamos ao vivo e em definitivo para a competição mais acirrada da história desde Mara Vs. Xuxa em 1986, anotando aqui o podium vencedor, na opinião deste humilde narrador...

Em terceiro lugar: Finca La Linda Malbec Rose

Em segundo lugar: Cantina Zaccagnini

E em primeiro lugar, confirmando o favoritismo, e sagrando-se o primeiro campeão da Enocopa........ Domaine Ott – Chateau de Selles.... Espetacular....sem precedentes.... já um ícone....

Ehhhhh amigo.....como diria o camisa 9... foi uma festa bonita, com comida e companhias maravilhosas. Que bom!

Volta e meia surge sempre algo a nos surpreender, a nos tirar o chão, nos deixar de guarda baixa... são esses os inesperados fatos da vida, que acabam por preocupar... mas que bom que temos encontros com pessoas queridas, festas mucho animadas, histórias pra participar e contar, enfim, que bom que, apesar das incertezas da vida ainda há coisas nas quais se pode confiar.

Em Busca dos 5 Cálices Sagrados

E o Stefano hein? Conhecem o Stefano?

Desde pequeno sempre foi ele, sabe... um olhinho vivo, preocupado e curioso ao mesmo tempo. Logo viu-se que palhacinhos e bonecos não eram sua praia, seu brinquedo preferido era uma garrafa de champagne baby que ele teimava em tilintar contra as grades do bercinho.

Presidiário de sua cama já tão cedo? Faisquinhas tintas no olhar do pequeno Stefano... Via-se desde piccolo que queria ganhar o mundo, pular da cama para a vida, sair a desbravar os terroirs do mundo.

E assim foi-se indo, aqueles olhinhos vivos, sempre mirando o norte, o topo, tentados a descobrir o melhor, e dessa forma, não poderiam por muito ficar afastados daquela região. Um pequeno pedaço de terra, o cantinho mágico, que por obra do destino manejou-se reunir tudo o que há de mais excelente, premier manja?

E o nosso Stefano se pôs a bailar nessa onda, pensando ele ficou, e então passou o tempo, não muito, mas um bom tempo. Do berço para a cama da gradinha, cama de solteiro, uma cama de casal por uns tempos e depois novamente a cama de solteiro. Rolou um beliche por uns tempos, mas essa é outra história; o que importa é que faltava algo na vida do nosso herói. Faltava chegar ao topo, o lugar onde seus olhos e sua mente estavam fixados, já sabedores do que almejavam. Já havia provado chardonnays , malbecs, carmenères, pinots noir, pinots grigio, nebbiolos, e tudo mais... mas havia algo pendente...

Faltava-lhe o Bordeaux.... mas naquela combinação sagrada de cabernet sauvignon, cabernet franc e merlot (com pitadas de petit verdot em alguns vinhos).

Como ele queria, ah.... seus 5 destinos, 5 paraísos, 5 haréns, 5 oasis venerados por todos aqueles que sabem que uma garrafa de Bordeaux esconde um universo de facetas, sabores e sensações únicas. E lá se foi ele, a interagir com os únicos 5 vinhos tintos a pertencerem ao grupo dos Premier Cru.

Por conta de um pedido do Rei Napoleão III, em 1855, foi elaborado uma classificação para os vinhos produzidos em Bordeaux de acordo com a reputação de seus fabricantes e valor de mercado das garrafas. Assim, criaram-se as suas 05 categorias, da Cinquième Cru, formada pelos vinhos menos conceituados até a Premier Cru, a superior, formada pelos vinhos Chateau Lafite-Rothschild, Chateau Latour, Chateau Haut-Brion, Chateau Margaux e em 1973 foi feito o único adendo nessa lista, com a inclusão do Chateau Mouton-Rothschild.



Um alívio, uma redenção tomou conta de seu espírito vinífero e Stefano sentiu que era hora de buscar novos horizontes... já passara os olhos sobre o que há de mais idolatrado nesse mundo tinto e, seguindo essa ideia pensou que era hora de buscar um pouco de doçura na vida. Seria um Sauterne très special? Ah, esse Stefano......

As Rosas de uma Noite

Assim numa vibe meio Françoise Hardy.....

Quem são essas passageiras, que a nós vem e assim se vão, e veem e são vistas e serão, sempre, as rosas de uma noite. Como elas podem ser assim como são? Como elas são, assim, sem se importar com o amanhã?

Assim elas são, como as novas que a manhã traz, as novas de um dia ou de uma noite.

O que fazer? Como se portar diante da beleza rosada que te derruba sem esforço? É da natureza delas, das rosas de uma noite, vivem a vida a girar, a subir e a descer as escadas do momento, fazendo querer e assim, queridas se vão, fazendo tentar e resistindo às tentações.

E assim se foram, como o outono que tarda, mas não olvida, para longe, e deixando dúvidas e arrependimento e no fundo uma sensação de aventura, de uma história pra contar. São assim elas, as rosas de uma noite.

Assim são elas, e assim é o Chateau La Coste – Rosé d’une Nuit - 2008 – por uma noite apenas...

Os anos 50 e a Safra do Cometa

Eu sou um cara a moda antiga…não vivo nos tempos passados, mas acho que meu lugar seria lá.

Sabe tipo os anos 50, comecinho dos anos 60, bem ali... Depois da metade dos anos 60 já começou toda aquela onda de cabeleira, ie ie ie, peace and love que não é muito o que eu to procurando. To atrás de um lance mais com uma cara de Belle Époque, bem assim... the 50’s.

Naquele tempo não existia a proximidade do mundo que existe hoje, o que estava na Europa vinha devagarinho pra cá, demorava séculos, e então, restava às pessoas sonhar e imaginar o que se passava nos outros cantos do mundo. Isso no fundo é bom, porque o que importa de fato é o que se está vivendo aqui e agora... não saber é um problema, não ter como saber, uma solução.

E assim eles viviam, eu imagino, os nossos queridos cinquentinos, preocupados com seu dia, sua roupa e seu destino, desprezando a pressa em se atualizar, já que o novo ainda não havia chegado, e na verdade ainda tardaria.

Esse tipo de situação é tão importante que, muitos dos clássicos de hoje, em qualquer área, se originaram naquela época. Esses anos nos regalaram Frank Sinatra e seu eterno Rat Pack, uma época em que o próprio Sinatra, uma lenda, jantava às escondidas com o Presidente JFK, outra lenda, como se corriqueiro fosse e dividiram as atenções de uma das maiores divas de todos os tempos, Marylin Monroe, uma... uma... lenda...

Que época! Que inveja! Queria eu ter feito parte dessa história, que dizem, até gerou um “clube”, the People who shook Sinatra’s Hand Club. Eles sabiam reconhecer seus ídolos, dando a eles sua devida importância. Hoje todos são ídolos e num piscar de olhos são esquecidos... os tais 15 minutos de fama que Andy Warhol previu muito apropriadamente. Uns rotularam a década de 80 como cult ou brega, a de 70 como revolucionária e libertina, a de 90 como impessoal e digital e a de 50 é clássica, não se dobra com o passar dos tempos, melhora com os anos.

De tempos em tempos somos brindados por essas datas, que estabelecem conceitos e critérios que dificilmente serão esquecidos ou superados.

Em 1811 foi assim... bem assim...

Nessa fantástica França de 1811, todas as condições estavam perfeitas para um safra histórica e, de fato ela ficou conhecida como uma das mais soberbas da história, dita por alguns como insuperável em termos da qualidade das uvas que produzira.

Dizem.... dizem... que os astros ajudaram, tanto que um cometa foi visível durante toda essa safra, que ficou conhecida como A Safra do Cometa. Nesse mesmo 1811, Madame Barbe-Nicole Ponsardin, já viúva do Seu Clicquot, produzia uma das melhores safras da história de seu Champagne.


Esse champagne, bem como outros vinhos dessa safra do cometa, não circulam mais por aí, assim como os anos 50 não voltam mais. O que eles foram, seu gosto, não podem mais ser provados, mas é bom saber que eles um dia existiram e na medida que o tempo passa mais sao eles admirados e nos trazem aquela sensacao de que algo ja passou, mas esta bem guardado, apesar de nao vivido.