Long time waiting


Hi Paul!

Hi Paul!

Not really sure if Paul hears me.

I’ve never met Paul, I wonder what he’s like. Maybe we wouldn’t get along. He could be a Pro-life supporter, defend pesticides or another cause that could lead to deep discussions. I can’t really say, never discussed my ideas with Paul. Maybe he’s mute, so we wouldn’t have any discussions at all, at least on a spoken level. Smart people say that if one of the senses is impaired, the other ones are heightened. Perhaps Paul has a heightened sight and is a hunter, not too much Pro-life in that respect… doesn’t look like Paul though, I thought.

Paul, can you hear me??

Well, if he’s mute, maybe he’s also deaf, so it’s pointless for me to call him. In any case, I wish Paul could hear me. Not because I have something important to say, but I think he’s a good storyteller (not a favorable skill if you’re mute) and I’d like to listen to some good old stories, we all like that. I’m positive he speaks loud and clear.

I believe he was born some time ago, in a very interesting period of time and he should have experienced plenty of life changing events, the ones you only read about in books or watch on Discovery Channel. I’m always eager to talk to anyone who has experienced great events with their own eyes. I hope Paul is not blind! You know what they say about people who have one of their senses impaired? I’m sure you do!

I wish Paul was here. Maybe I’d only ask him why he wasn’t here earlier when I started calling out for him. Was he doing something exciting? Maybe I could have joined. Maybe he has a girlfriend; he probably has a girlfriend, he should be a nice guy and girls are usually amused by a well told story. Maybe because girls think all stories are true and a small film plays in their minds as the story unveils. I’m sure they picture all stories with lots of glamour, nice locations and scarves. Girls love scarves and the actors in their imaginary films always wear fancy scarves. Scarves match with glamour and nice locations...ah and a cabriolet! I’m sure of that, although I’ve never seen one of these movies myself.

Scarves are details. Girls pay attention to details; if you miss out a tiny little comma on a conversation, they make this funny face as if something was very wrong, those faces that only girls can do. I think Paul wouldn't miss out on any details, a surgeon storyteller he must be, that’s why he must have a girlfriend, he pays attention to details, I figured.

Still no news from Paul!

I don’t know if I should wait for long, Paul has no idea I’m waiting for him and I’m not sure if he wants to see me. Maybe he’s tired; he could be out for a very long walk. He could be one of these people who go for walks. One asks “where are you going?”, and Paul-like people answer “I’m just going out for a walk!”. I've never quite got that. Maybe these people just wanna leave, so they walk, but normally they come back, so that doesn't add up. Maybe they just want to think and the fresh air helps the ideas to settle. Maybe Paul is in trouble and he needs to think about something and wandering around might help him. Well, that’s Paul’s business, he must have his reasons.


I’m getting tired of waiting for Paul, also a bit a hungry and very thirsty. I could have some wine. It has been long since I last had a good wine. It’s been long since I puzzled over something while having some wine. It’s been long for many things, including waiting for Paul. Paul is gone, long gone I figure. I wonder if he really is a good storyteller or even mute. Well, we can all wonder or wander, like Paul. With a glass of wine you can wonder and wander with the company of whomever you like and have a great time. Today I chose Paul, even though he wasn’t there. Maybe I should have a better wine next time.

O Jogador de Sinuca e o Julgamento de Paris

O dia nasceu cinza, combinando com a rotina e os anseios de Charlie “dois dedos” Gomez. Charlie, um atleta mediano do feltro verde vivia sua vida um dia por vez, de bola 8 em bola 8 e já havia muito que tinha posto um sorriso no rosto de alguém por conta de um trick shot, tanto na sinuca como na vida. Sua vida era como o dia, um cinza sem fim trancado na mesmice de um longo banho-maria.

Charlie estava na época em que normalmente as pessoas dão uma guinada na vida, quando o jogo começa a se definir. Mas não era o caso do nosso “dois dedos”, apelido esse ganho nos torneios de billiard da ala norte de seu condado quando ainda não ostentava a calvície e seus cabelos lembravam um lindo por do sol alaranjado; agora, o que restava, se mostrava um dia londrino, antecipadamente grisalhos.

10. Essa não era a nota de Charlie pelas suas apresentações nas mesas do mundo e sim a média de suas colocações nos campeonatos que disputava, sempre por volta do décimo lugar. Suas partidas, apesar do resultado morno, sempre se mostravam dramáticas, Charlie perdia suas partidas não pela superioridade técnica de seus adversários, mas pelo fato de que suas tacadas deixavam a bola a poucos centímetros de onde desejava; não era um mau jogador, faltava-lhe muito pouco para conseguir o objetivo, sempre alguns centímetros, dois dedos...

Durante o campeonato aberto do condado daquele ano, Charlie encerrou sua participação no sétimo lugar. Após a entrega das taças, bebeu algumas doses de Sherry com seus amigos de taco, vestiu seu surrado sobretudo e despediu-se, deixando-se levar pelo vento do inverno.

Pouco se soube, ou melhor, nada se soube de Charlie por um tempo, não aparecia para os jogos de terça-feira, nem para assistir aos jogos de cricket e conferir suas apostas. Assim se passaram alguns meses.

Às vésperas do grande campeonato anual, Charlie reapareceu no clube. Tudo como antes, a não ser por um detalhe. Uma grande aliança dourada no dedo anelar da mão esquerda. Não era um simples anel, ostentava ele uma grande coroa dourada que quase lhe ocupava a falange inteira. Dois Dedos havia se casado, dizia que encontrara a felicidade numa breve viagem de férias, que por questões do coração havia se estendido e se materializado em seu dedo. Afora isso, lembrava o velho Charlie.

No dia seguinte, ainda cedo para os padrões da época, Charlie chegou para se preparar para sua primeira partida no campeonato. Sua partida se desenrolou da mesma maneira como sempre se percebia e se esperava do velho Charlie Dois Dedos, no entanto aos poucos se notou um pequeno-grande detalhe, os míseros dois dedos não faltavam mais nas tacadas de Charlie e seu jogo estava primoroso.

Os amigos não entendiam o que acontecera com o jogador mediano mais consistente que já haviam conhecido. Uns diziam que o amor lhe dera a confiança necessária para superar suas dificuldades e segurança para arriscar suas melhores tacadas. Outros entendiam que a grossa aliança tratou de equilibrar sua mão na mesa e corrigiu sua linha de tacada.

O que de fato ocorreu, não se sabe. Sabe-se apenas que a partir desse dia, todos conheceram e admiraram Charlie “Dedo de Ouro” Gomez.

Em 24 de maio de 1976 foi realizado o Paris Wine Tasting, organizado pelo inglês Steven Spurrier. Tal evento tratava-se de uma degustação às cegas de diversos vinhos tintos e brancos franceses e californianos.

A competição contou com a presença de alguns dos maiores nomes da enologia daquela época, além de participantes do quilate de Chateau Haut-Brion e Mouton-Rothschild. No entanto, os grandes vencedores do concurso não foram os franceses, até então senhores absolutos do lugar mais alto do mundo do vinho, e sim os desconhecidos, subjugados e até inferiorizados vinhos californianos.

O clima instaurado na França por conta dessa “tragédia” rendeu críticas e deboches à degustação por parte dos maiores veículos de comunicação franceses, porém, a opinião dos especialistas foi clara em declarar o Cabernet Sauvignon Stag's Leap Wine Cellars de 1973 e o Chardonnay Chateau Montelena 1973 como os grandes campeões.

Não há como saber se o resultado seria outro se os julgadores soubessem o que estavam avaliando ou há quanto o vinho californiano já possuía tal qualidade, mas não era reconhecido. O que se sabe, é que desde então a California colocou de uma vez por todas seu pininho no mapa mundi da rolha.

O Dilema de Taittinger

Certa vez, uns tempos atrás, quando a sensibilidade me pegou desprevenido, disse que há muitos ciclos na vida, ciclos esses que se iniciam e terminam sem aviso, apenas acontecem. A tal dinâmica da vida.

Redundâncias a parte, cada um é o que é. Ou seja, somos frutos da nossa genética e do que o ambiente que nos cerca nos proporciona. Todos nós temos nossa fonte, onde buscamos o que é preciso para, como disse Nietzsche, nos tornarmos quem somos.

Esses ciclos são fundamentalmente compostos de eventos únicos, primeiros, que nos levam a uma situação até então nova, diversa do que nos era habitual. Evoluímos, portanto, buscamos melhorar, ampliar nosso espectro. E cada um ao seu ritmo, se vai caminhando.

Que o mundo dá voltas todo mundo sabe, mas as voltas que damos no mundo, uns sabem, outros não e tem os que ainda acham que entendem. O que os olhos não vêem o coração não sente, então é preciso ir atrás de insumos, matéria-prima para os nossos corações e acredite, todos fazemos isso o tempo inteiro.

Estamos sempre atrás dessas novas experiências, que nos completam, nos transformam e elas acontecem num ritmo extremamente rápido, que muitas vezes não nos permitem realizar o que já conquistamos, o que temos e o que deixamos para trás.

É muito fácil falar sobre isso, que de tempos em tempos devemos nos revisitar, pensar no que passou e nos planos que deixamos pelo caminho, mas como que realmente compreendemos e temos a verdadeira noção do que temos?

Não tendo.

Experimentando a ausência das nossas conquistas nos torna realmente capazes de entender o que elas representaram, não tendo alguém que se gosta por perto, se entende o quanto importante a pessoa é.

É uma caminhada complicada, para se saber o quanto importante, é preciso perder, ausentar; um passo escuro, pois até o momento de andar não há como saber o que está prestes a se perder. Mais vale estar sempre perto e não reconhecer a importância ou estar distante e reconhecer o seu valor?

Há quem diga que não é preciso nada disso, quando se sabe, se sabe; desde o primeiro minuto e para sempre, dizem...se é verdade, não sei, mas sei que não foi assim em Saint-Rémi Basilica.

Em 2005, a família Taittinger resolveu vender seus negócios que, além da famosa casa de champagne, incluía outros artigos de luxo como os cristais Baccarat e o hotel Crillon. A família havia crescido bastante desde 1934 quando Pierre Taittinger comprou o então Château de la Marquetterie e seus vinhedos para mostrar ao mundo o Champagne Taittinger.

A terceira geração, aparentemente, não dividia os ideais dos avós, o orgulho de fazer um cuvée delicado, com um olhar voltado para a harmonização gastronômica que é aclamado como um dos mais conceituados do mundo e também um dos melhores da França, um planeta a parte.

Aparentemente... um ano depois, um neto de Pierre, Pierre-Emanuel Taittinger reuniu todas as forças que possuía e também outras forças bancárias e recomprou a vinícola, alegando que a venda havia sido como a perda da sua identidade e a traição de suas raízes.

Hoje, felizmente a Taittinger continua a ser uma das mais respeitadas vinícolas e seu Comtes de Champagne permanece entre os mais nobres vinhos daquela região.

Por mais aclamado e explicado que um sentimento seja, ele só vai ser entendido se sentido na pele; a teoria é sempre muito útil, mas na prática é que se compreende as verdadeiras necessidades e se conhece as íntimas emoções.

Ao menos dessa vez, Vovô Pierre descansa em paz e seu neto sorri, próximo, e sabedor do valor, do seu tesouro.

Taittinger Prélude e o Toque Real

Sonhos são sonhos. Quando se têm, por mais que se queira fugir, há sempre uma forcinha a virar a cabeça para o lugar que o teimoso e vencedor inconsciente deseja. Stefano estava indo e vindo há um tempo e desde quando se pôs a ouvir Dimitri declarar as glórias da França e seu grande general, estava certo que lá era seu lugar, pelo menos por um tempo.

A viagem de Budapeste para a França, apesar da longa jornada atravessando Áustria e Alemanha, traz do outro lado da janela do trem um passatempo inesquecível. Assim que cruzou a fronteira saindo da Hungria, os alpes austríacos começaram a dar o ar da sua graça. Lindas paisagens cruzavam o caminho de Stefano, que na ausência de companhia, deixava as imagens tomarem toda a sua atenção.

Cruzando os alpes austríacos e entrando pela Alemanha por Salzburg, Stefano não tardou a cruzar por lugares como Garmisch-Partenkirschen que lembraram a sua paixão esquecida pelo ski e também como o frio e a neve combinam com jantar, lareira e vinho.

Finalmente em solo francês, Stefano anotava em seu Moleskine as grandes possibilidades que podiam aparecer se fizesse uma parada pela Borgonha, berço do Chambertin de Napoleão. O trem, no entanto, seguia firme sua marcha borbulhante rumo à Reims.

Depois de ouvir do amigo cossaco sobre Napoleão e sua eterna busca pela realeza, seu destino não parecia ser outro senão aquele que produzia a bebida dos reis, o símbolo da celebração e o merecido refresco da vitória, o champagne.

Quando o trem cruzava Epernay, Stefano estava parecendo um cachorro para fora do vidro, queria experimentar, sentir, fazer parte dessa história de tradição e elegância. Faltava pouco para que o chão da gare de Reims chegasse ao seu encontro.

Pronto, pronto... Ali ele estava...Se a história tivesse peso, várias toneladas estariam sobre seus ombros naquele momento. Stefano estava em Reims, caminhando pela Avenue du Champagne, como um aluno na classe, esperando que história lhe fosse apresentada.

Costurando o centro de Reims, próximo a Avenue Louis Roederer, Stefano encontra um bistrot com uma vista que deve ter de alguma forma servido de inspiração para uma senhora. O Bistrot ficava do outro lado da rua dos grandiosos jardins do Hôtel Ponsardin, lugar que durante muitos anos serviu de morada para uma jovem, filha de um grande comerciante de tecidos chamado Nicholas Ponsardin, e cujo casamento com o senhor François Clicquot viria a durar muito pouco, e atendia pela graça de Barbe-Nicole.

Olhando uma janela que poderia ser de seu quarto, Stefano se sentou em uma mesa na calçada. Apesar do frio, havia uma outra mesa ocupada ao seu lado.

Continuando a mirar a mesma vista que uma vez contemplou a dama do champagne, Stefano se viu pensando sobre o quanto a vontade de uma pessoa pode revolucionar todo o mundo, o quanto a vontade em querer fazer o melhor pode fazer o mundo se curvar diante de uma garrafa.

Na outra mesa ocupada na calçada, uma elegante senhora bebia calmamente uma flûte de um néctar claro e borbulhante. Com seus trajes clássicos, uma echarpe esvoaçante por conta da brisa do inverno, tinha seu rosto parcialmente coberto por um monárquico chapéu, que a fazia se destacar dentre todos os outros passageiros da Avenue.

Não havia como não notá-la, sua presença até mesmo preenchia as mesas desocupadas e fazia com que a calçada ficasse mais estreita... uma duquesa? Herdeira de uma maison? Stefano ficou curioso...

Quando lhe foi oferecido o Menu do bistrot, Stefano não tardou a perguntar o que havia de diferente naquela senhora, que aura ela trazia que a deixava daquela maneira? A jovem francesa, num inglês carregado, disse:

- As Madame de Pompadour used to say, “Champagne is the only wine that leaves a woman beautiful after drinking it. It gives brilliance to the eyes without flushing the cheeks”.

Stefano, na sua ânsia por querer entender tudo e todos, se aproximou da senhora e, na tentativa de estabelecer qualquer contato com essa entidade que exprimia em todos os detalhes a quem uma garrafa de blanc de noirs sonhava em ser servida, indagou o que bebia.

A senhora bebia um Taittinger Prélude Grand Crus, de um aspecto brilhante, uma cor amarelada e perfeita borbulhas que tardavam a se dissipar. Esse champagne produzida na proporção de 50% Chardonnay e Pinot Noir totalmente provenientes da região de Champagne é feito totalmente de cuvée, ou seja, da primeira prensagem, mais leve, de onde os produtores acreditam se extrair o melhor produto.

Realmente, “realezamente”, a senhora sabia o que degustava e sabia se comportar como tal e em uma relação superior com sua taça, olhando o horizonte e sentindo-se flanar, disse para o súdito na forma de Stefano:

- I drink a flute of champagne every day. At least for an hour I feel like the Queen of France.

Gevrey Chambertin e o Destino de Napoleão

Uma agulha no palheiro, essa era a chance de encontrar um russo apreciador de vinhos. Claro que a vodka ainda era sua preferida, a paixão de todo bolchevique, mas o vinho ao que pareceu guardava estreita ligação com Dimitri.

Pois Dimitri, essa era a graça desse cosaco de bochechas rosadas como sua bandeira, era um grande apreciador de tintos, brancos, rosés, colheitas tardias, enfim, a uva fermentada em todas as suas formas.

Como já havia se percebido, Dimitri flertava constantemente com a política e guardava profunda admiração pelas biografias dos grandes líderes de seu país e mais tarde ficaria claro que seu apreço era endereçado a todos os líderes, independente de suas nacionalidades.

Costeando o Rio Danúbio, Stefano e Dimitri, saem das ruas principais de Budapeste, ainda observados pelo Castelo de Buda e entram no wine bar onde o russo havia reservado uma mesa. Apesar do inverno, o lugar estava bastante cheio. Duas pesadas portas de vidro tratavam de deixar o frio lá fora enquanto uma bem localizada lareira deixava o grande ambiente interno na temperatura ideal. Um grande balcão servia de morada para diversas garrafas onde, segundo constava, se preparavam premiados drinks de autor e alguns solitários tratavam de esquecer seus problemas.

Stefano estava envolto pela atmosfera do lugar e voltou a si com o chamado de Dimitri para sentar-se a mesa com duas mulheres que ali estavam. Eram duas alunas de Dimitri, que era professor de história na Universidade de Budapeste. As duas estavam a falar sobre a última aula, que trazia a biografia do maior general francês de todos os tempos. Dimitri, aparentemente alheio aos comentários das garotas, ordenou um vinho ao garçom, que logo se afastou.

Continuando com a conversa Dimitri, novamente embuído do espírito um tanto nostálgico e outro tanto poético, versava sobre os grande feitos de Napoleão Bonaparte. Dizia o professor que amava a Russia acima de tudo, mas naquele dia Napoleão havia feito o leste se curvar, e por consequencia também ele se curvara.

A Inglaterra, não satisfeita com a frágil paz que havia se instalado entre ela e a França, começa a costurar alianças para se levantar contra o império francês, e nessa coalização entram o império austríaco e russo, contava Dimitri. Armou-se uma revolta e após um breve período estavam todos os envolvidos em um clima de guerra, um exército marchando em direção ao outro.

Napoleão, grande estrategista que era, antecipou movimentos, definiu posições e usando táticas certeiras aniquilou as tropas inglesas e seus aliados austríacos e russos. Tudo isso durante 9 longas horas do dia 2 de dezembro de 1806. Essa batalha, a história tratou de chamá-la de Batalha de Austerlitz ou a Batalha dos 3 imperadores, e foi a vitória mais emblemática de Napoleão.

Dimitri dá um salto da cadeira, olha para Stefano e com a mão por dentro do próprio paleto, tal qual Napoleão, brada como um Imperador:

- And after the triumphant victory Napoleon said to his loyal soldiers: All you need to say is ‘I was at the Battle of Austerlitz‘ and everyone who hears will nod their head and think, ‘There goes a brave man!

Napoleão sabia, àquela época, que havia chegado ao topo, estava no apse, e tinha consciência de que lá estava. Costumava falar que fazia a sua própria sorte e quando achava o que lhe era melhor, aproveitava e saboreava o gosto da vitória. Esse era o seu destino, o melhor, a glória.

Nesse momento Dimitri é interrompido pelo garçom, que lhe oferece a rolha, questionando se poderia servi-lo. Tratava-se de um Gevrey-Chambertin. Um borgonha do Domaine Armand Rousseau. Chambertin, é uma sub-região incrustada no coração da Borgonha, onde se produz em uma boa safra vinhos inigualáveis, robustos e com um excelente potencial de guarda, afora seu aspecto militar, forte escuro e pesado.

Stefano, com todo esse ode à França, já estava tramando seu próximo, novo-velho destino, quando o cossaco provou que ouvira a conversa desde o ínicio.

Dizia ele que um Chambertin era o vinho preferido de Napoleão. Depois de provar esse vinho não se satisfez com nenhum outro, já havia encontrado sua glória, havia encontrado seu destino. Napoleão sempre soube quando havia atingido o topo.

Tokaji Aszú e o Elogio Inesperado


Stefano saiu do Uruguai pensando ter evoluído em questões que antes lhe tiravam o sono. Sentiu-se confortável. O que havia aprendido, tanto com as suas próprias reflexões, como com a experiência de Gonzalo, lhe davam estrutura para arriscar novas aventuras. Conhecendo a si mesmo, ao menos um pouco, fica mais fácil de decidir para onde se quer ir ou o que conhecer de outros lugares.

A sua passagem era com destino a Londres, mas Stefano não estava sentindo um desejo de se aventurar por aqueles lados, pelo menos por enquanto. Não que a Inglaterra não lhe agradasse, certamente haveria inúmeras experiências únicas na terra da rainha, apenas não era o momento.

Uma vez desembarcado em Londres, nosso enofriend não encontrou voos disponíveis e que se encaixassem no seu radar. Acabou ficando em uma lista de espera, juntamente com algumas pessoas que se amontoavam na frente do balcão da Cia. aérea.

À sua frente, Stefano avistou um casal já com uma certa idade, que parecia estar embarcando para sua segunda lua-de-mel. Com um vistoso penteado, bem arrumado, ao estilo da vovó, a senhora recebeu em seu rosto rosado um beijo de seu marido que se afastou do balcão por alguns instantes.

Stefano ficou a observar a senhora que fitava seu amado, de terno cinza e um inconfundível Borsalino Fedora, a sumir pelo saguão. Ela se distraiu por alguns momentos com seus documentos, passagens, passaportes, quando de repente é surpreendida pelo gentil toque de uma pétala em seu rosto.

Seu marido havia retornado e trazia uma singela margarida de presente, cheia de sentimentos. A derretida esposa, olha-o como se estivesse ouvindo harpas tocada por anjos, e diz em um sorriso e com um acento britânico inconfundível:

- What a lovely gesture! You know how much I love Daisies.

- I like surprising you…. A flower... A compliment... always when least expected! Responde o marido.

Cena linda, pensou Stefano com seu carrinho com apenas uma mala. Eles devem, certamente, estar fazendo essa viagem para celebrar sua segunda lua-de-mel, apesar de aparentemente ainda estarem vivendo a primeira.

A alegria do casal parece ter trazido sorte para Stefano que consegue um lugar no vôo que o levaria para a Hungria; em algumas horas estaria diante de Budapeste e de uma folha de papel em branco para preencher.

Desembarcando em Budapeste, com a brisa do Rio Danúbio a fazer brincar as folhas do guia turístico do Leste Europeu, Stefano se refugiou numa espécie de taberna frequentado pelos tipos que deviam aterrorizar a turminha do outro lado da cortina de ferro. Naquela tábua de tragos, havia um senhor que protegia uma garrafa com muito mais afinco que pedia proteção a Santo Estevão, santo esse onipresente em Budapeste.

Num inglês diretamente de Moscow, o aparente cosaco disse se tratar de um vinho produzido ali próximo, cerca de 200km de Budapeste. Doce como um discurso de Lenin e macio como a eterna bandeira grafada CCCP dançando ao vento num domingo de agosto na Praça Vermelha, assim era o vinho nas palavras do camarada.

Ahhh a velha camaradagem comunista.... Ao demonstrar interesse no vinho e na história do companheiro, o tal começou a discursar sobre esse fenômeno do leste:

- Aqui, produz-se o vinho mais doce, mais puro e com as melhores uvas de todo o mundo! O ocidente curva-se diante da exuberância do Tokaji, caro menino do novo mundo.

O amigo comunista estava muito entusiasmado em poder apresentar ao forasteiro que seu mundo, apesar de não mais existir, era ainda capaz de surpreender.

Palestrava ele que o Tokaji, produzido na região de Tokaj-Hegyalja pode ser composto de apenas 6 vinhas, Furmint, Hárslevelű, Moscato Gialla, Zéta, Kövérszőlő, Kabar. Esses vinhedos são acometidos do mesmo fungo que ataca as já visitadas vinhas de Sauternes, o botrytis.

O cosaco bebia um Tokaji do tipo Aszú, que de tão emblemático é citado no hino nacional húngaro, e facilmente supera os 14% de graduação alcoolica, talvez daí a sua adoração. Esse vinho era novidade para Stefano, não só pelo vinho em si, mas pela localização onde é produzido e pelo valor que lhe é dado em um lugar de onde não provém qualquer tradição vinícola, certamente uma surpresa.

O único destino disponível, a Hungria, sem qualquer razão que chamasse a atenção do nosso globetrotter, acabou o regalando com a mais incrível e doce surpresa. Da Hungria para Stefano, a compliment when least expected!

Pizzorno e o Mais Egoísta dos Vinhos

Despedidas, às vezes, se arrastam por algum tempo e não se constituem apenas de um aceno, um aperto de mãos, um abraço ou um beijo. Gonzalo e Stefano haviam se despedido mais de uma vez e teimavam em se reencontrar.

Stefano partiria do Uruguai no dia seguinte, e deixando a Finca Narbona para trás, tomaram o rumo de Punta del Este. De Carmelo até Punta há um longo trajeto a ser percorrido. Do lado de fora da caminhonete o visual parecia uma fazenda sem fim, apenas possível separá-las pelas cercas que de tempos em tempos apareciam para sugerir que ali habitavam outras criaturas afora o gado.

Com o bater dos materiais de pintura no porta-malas, Stefano se recordou das palavras de Gonzalo quando ainda estavam em solo portenho, sobre o que pensava acerca das obras de arte.

Na tentativa de aclarar suas idéias ao amigo, Gonzalo disse novamente do seu gosto em produzir arte, em qualquer de suas formas, e que ela é a forma mais egoísta de qualquer expressão artística.

- Para ser arte, el objeto no puede tener ninguna otra habilidad de ser ella misma. No puede haber otra opción que admirar. El arte es la actividad más egoísta del mundo, porque el arte no tiene otro propósito que ella misma.

Uma obra de arte não pode ter qualquer outra razão de ser afora ela mesma. Assim são elas, pensou Stefano, ficam ali a espera de um admirador para que possam cumprir seu destino, e ao mesmo tempo os admiradores ficam à mercê dessa arte, para que se possa, ao menos por um pouco, nos deixar levar por outras emoções e sentidos. Tal como Nietzsche que disse que, “Temos a arte para não morrer da verdade”.

Antes de chegar a Punta del Este, um desvio no caminho para deixar Stefano no Aeroporto Carrasco em Montevideo. Check-in feito e ainda restavam algumas voltas no ponteiro para o avião de Stefano partir sabe-se lá para onde. A dupla se acomodou em um restaurante e pediram, para acompanhar o suculento chorizo, mais um exemplar da uva definitiva do Uruguai, a Tannat.

O garçom não tardou a chegar com um Pizzorno Reserva Tannat 2006, tinto elaborado com as melhores uvas dos vinhedos Pizzorno em Canelones; tem potencial de guarda de 10 anos e é dotado de uma cor rubi, quase púrpura com aroma de ameixas e frutas do campo. Os vinhos de tannat possuem bastante corpo e estrutura e denotam elevada presença de taninos, um vinho marcante que, segundo quem entende, é ideal para acompanhar pratos com molhos fortes, carnes vermelhas, isto é, à altura da força desse vinho.

Enquanto o vinho era aberto, Stefano e Gonzalo pareciam dividir o mesmo pensamento, se o vinho poderia ser considerado uma obra de arte. Ao que deram o primeiro gole decretaram que o vinho não é uma obra de arte, não é o vinho algo para ser admirado, venerado. Para que ele atinga nossos sentidos, o vinho deve ser consumido, para que ele aconteça ele precisa se doar. O vinho, portanto, não é uma obra egoísta, mas um tannat, de fato, é o mais egoísta dos vinhos.