Mal chegou em casa, jogou a mochila na velha cama que hoje já não é mais porto seguro de nada, colocou alguns Bordeaux e uns Sauternes na adeguinha do lado da escrivaninha do quarto e parou para pensar no que havia acontecido nos últimos tempos.
Havia ganhado o mundo, vivido seus sonhos e de repente de volta a casa. Deitou no sofá da sala e sorriu; aquele sorriso de dever cumprido, de alma leve, de cabeça fresca. A TV estava no volume baixo, as imagens, de outrora, mostravam um Príncipe Charles jovem, falando sobre conflitos políticos, uma guerra em plena América do Sul, na tal das Malvinas, para o Príncipe: Falklands.
Stefano jamais tinha ouvido falar de tal lugar, certamente conhecia a Argentina e seus arredores, mas as Ilhas Malvinas eram uma novidade. Quantos lugares ainda lhe faltavam conhecer no mundo? Quantos seriam os lugares de que sequer havia ouvido falar? Essas dúvidas foram suficientes para que ele desse um pulo do sofá, deixasse o Príncipe falando sozinho, e com a velha mochila de volta à paleta saiu em busca, em busca... em busca de que?
Estava estranho o nosso desbravador, a mera possibilidade de não conhecer todos os lugares do mundo, todos os vinhos do mundo lhe trazia um desconforto, que embora o fizesse buscar sempre mais, acabava deixando-o por demais angustiado. Nessa ânsia, tomou um ônibus para o Uruguai ou Argentina, nem ele sabia... Tannat ou Malbec, tanto faz, como diz a sra. Venegas, “me despido de ti y me voy”, e se fue rumo ao sul.
Sentado na beira do assento, olhando o pampa pela janela, mal percebeu que um senhor, já grisalho, se sentara ao seu lado... a sra. Venegas tratava de deixá-lo alheio aos ruídos do mundo. E este senhor, tranquilo, se pôs a ler um livro, serenamente respaldado no conforto da experiência.
Low bat...com a voz de Julieta Venegas se esvaindo com o fim da bateria, Stefano, somente agora, notava a presença do seu companheiro de jornada. Após um cordial sorriso, insinuou ser um daqueles gauchos (não gaúcho, mas un gaucho, manja gÁucho), se chamava Gonzalo e lia um livro de um compatriota uruguaio chamado Eduardo Galeano, Las Palabras Andantes.
Stefano sentia que precisava desabafar sobre as questões que estavam a lhe tirar o sono, e como os pampas já estavam se tornando repetitivos, falou sobre seu desejo de conhecer todos os vinhos do mundo e a impossibilidade de, de fato, o fazer. E se era impossível, por que tentar?
Gonzalo, pacientemente, ouviu toda a síntese do turbilhão de dúvidas e contradições emocionais que se passavam na cabeça do jovem e, do alto de sua sabedoria, proferiu lição do livro que o acompanhava:
- Ella, la utopía, está en el horizonte. Me acerco dos pasos, ella se aleja dos pasos. Camino diez pasos y el horizonte se corre diez pasos allá. Por mucho que camine, nunca la alcanzaré. ¿Para qué sirve la utopía? Para eso sirve: para caminar.
Em um primeiro momento, Stefano considerou que aquela frase fosse apenas para que ele se desse por satisfeito e deixasse o gaucho voltar para o seu livro. No entanto, como um vinho que precisa descansar para se tornar melhor, aquelas palavras ficaram vagando pela sua cabeça por um tempo e antes de cair no sono, perguntou à Gonzalo:
- Qual o destino final dessa viagem?
- Mendoza. Disse ele.
Viagem longa, viagem necessária...Gonzalo voltava do toalete quando os primeiros passageiros já se preparavam para desembarcar na argentiníssima Mendoza. Stefano, com as ideias frescas e dormidas, se perguntava sobre como fazer essa caminhada, sabendo que o horizonte sempre se afasta, qual a receita para esse sucesso afinal? Gonzalo, em tom de despedida e boa-sorte, disse num sorriso:
- Haga, en la vida, siempre lo mejor que puedas, con la fuerza de papá y la clase de mamá.
Assim se despediram, Gonzalo convidou o novo amigo a visitar seu país e conhecer o famoso reduto do Tannat, mas enquanto não era a hora de ir a República oriental, pensou em provar algum Malbec, afinal estava em Mendoza.
Em um restaurante especializado em cortes daquela região, a fome pedia uma parrillada completa, e para acompanhar, olhando a carta de vinhos descobriu seu companheiro de almoço. Um Vinicola Carinae Reserva Malbec 2007, feito ali mesmo, na grande Mendoza.
Enquanto os pratos da parrillada iam e vinham, Stefano se pôs a pensar que, no mundo do vinho não há como conhecê-los todos, se percorre uma estrada sem fim, sempre haverá um novo vinho a experimentar ou um velho a se descobrir. A estrada é mesmo sem fim, dá-se um passo a frente e ela teima em se estender um passo ao horizonte; não nos resta nada a não ser continuar caminhando, com a força do papai e a classe da mamãe.
7 comentários:
Mutito bom marquito, na minha opinião se tiveres a chance prove o cabernet sauvignon reserva... Much Better!!!
Abcs
Massa
Ae bicos, muito bom!!!
E ai Massa... to com umas garrafas do reserva também, mas ainda não abri... vamos marcar uma janta dia desses, dai ja te entrego o convite do teu niver. Abraço
Bico de luz,
valeu. Beijo
Marcão, buenas buenas.
Adorei o texto, tu és um fenomeno.
Me senti tbm honrado.
Vou mandar meu pai ler esse teu post e já te convido para quando vieres novamente no La Barra, vamos tomar aquela garrafa de Chandon Exxelence Brut Rosé que nem rótulo tem.
Um abração e continua firme.
Mano Garayalde
Mendoza, Venegas e Carinae...Nada mais é necessário...Avante!
Manolo,
Valeu, mostra pro Gonza certo... Sexta dia 16/4 to no LB, quero ver essa champa hehe
Tija,
Isso já basta né???
Abraço
Pô Marco! Tu tu estas voando alto nos vinhos! E o teu tio, aqui na linha trinta, só no vinho de garafon!!
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