Pizzorno e o Mais Egoísta dos Vinhos

Despedidas, às vezes, se arrastam por algum tempo e não se constituem apenas de um aceno, um aperto de mãos, um abraço ou um beijo. Gonzalo e Stefano haviam se despedido mais de uma vez e teimavam em se reencontrar.

Stefano partiria do Uruguai no dia seguinte, e deixando a Finca Narbona para trás, tomaram o rumo de Punta del Este. De Carmelo até Punta há um longo trajeto a ser percorrido. Do lado de fora da caminhonete o visual parecia uma fazenda sem fim, apenas possível separá-las pelas cercas que de tempos em tempos apareciam para sugerir que ali habitavam outras criaturas afora o gado.

Com o bater dos materiais de pintura no porta-malas, Stefano se recordou das palavras de Gonzalo quando ainda estavam em solo portenho, sobre o que pensava acerca das obras de arte.

Na tentativa de aclarar suas idéias ao amigo, Gonzalo disse novamente do seu gosto em produzir arte, em qualquer de suas formas, e que ela é a forma mais egoísta de qualquer expressão artística.

- Para ser arte, el objeto no puede tener ninguna otra habilidad de ser ella misma. No puede haber otra opción que admirar. El arte es la actividad más egoísta del mundo, porque el arte no tiene otro propósito que ella misma.

Uma obra de arte não pode ter qualquer outra razão de ser afora ela mesma. Assim são elas, pensou Stefano, ficam ali a espera de um admirador para que possam cumprir seu destino, e ao mesmo tempo os admiradores ficam à mercê dessa arte, para que se possa, ao menos por um pouco, nos deixar levar por outras emoções e sentidos. Tal como Nietzsche que disse que, “Temos a arte para não morrer da verdade”.

Antes de chegar a Punta del Este, um desvio no caminho para deixar Stefano no Aeroporto Carrasco em Montevideo. Check-in feito e ainda restavam algumas voltas no ponteiro para o avião de Stefano partir sabe-se lá para onde. A dupla se acomodou em um restaurante e pediram, para acompanhar o suculento chorizo, mais um exemplar da uva definitiva do Uruguai, a Tannat.

O garçom não tardou a chegar com um Pizzorno Reserva Tannat 2006, tinto elaborado com as melhores uvas dos vinhedos Pizzorno em Canelones; tem potencial de guarda de 10 anos e é dotado de uma cor rubi, quase púrpura com aroma de ameixas e frutas do campo. Os vinhos de tannat possuem bastante corpo e estrutura e denotam elevada presença de taninos, um vinho marcante que, segundo quem entende, é ideal para acompanhar pratos com molhos fortes, carnes vermelhas, isto é, à altura da força desse vinho.

Enquanto o vinho era aberto, Stefano e Gonzalo pareciam dividir o mesmo pensamento, se o vinho poderia ser considerado uma obra de arte. Ao que deram o primeiro gole decretaram que o vinho não é uma obra de arte, não é o vinho algo para ser admirado, venerado. Para que ele atinga nossos sentidos, o vinho deve ser consumido, para que ele aconteça ele precisa se doar. O vinho, portanto, não é uma obra egoísta, mas um tannat, de fato, é o mais egoísta dos vinhos.

2 comentários:

marisa franzoi disse...

Marco...
Como sempre, adorei essa do Pizzorno...Teu blog é muito mais que um blog sobre vinhos. Para mim é um apanhado de ótimas cronicas.....Eu li bebendo um licor de Tannat eh eh eh.
um abraço
tia marisa franzoi

Caren disse...

Marco,
concordo com a Marisa: teu talento para as letras é forte. Estou adorando acompanhar teu blog.
Abraços