Baron D'Arignac e o Dia para Lembrar

Esses dias eu li que nenhum homem é uma ilha, a não ser que você se chame Fernando de Noronha. Piadinhas de fora, é verdade que todos interagimos e somos influenciados por outras pessoas o tempo todo. O que uma pessoa faz da sua vida pode ter reflexos positivos ou negativos na vida de outras, e elas nem precisam interagir diretamente.

Posso dizer com uma certa segurança que a vida do Ayrton Senna influenciou a minha, e tenho um pouco de dúvida que a minha tenha influenciado a dele. Afora um autógrafo em São Paulo em 1990 ele nunca mais me viu, já eu via ele toda a semana.

Eu adorava ver a Fórmula-1 naquela época, ainda assisto sempre, mas naqueles tempos eu participava das corridas, não era só um gurizinho de pijama tomando Nescau domingo de manhã, era meu herói que estava competindo e eu assistia tendo a certeza de que ele ia fazer todo o possível para ganhar, de tudo e de todos. Ele pregava essa determinação, não importando quem tinha mais condições, quem tinha melhor carro, ou quem conhecia melhor a pista, ele procurava fazer o seu melhor sempre; independentemente das adversidades fazia as coisas ao seu modo.

Depois de ter atingido o ápice, em uma temporada a de 1993, Senna estava com um carro bem inferior aos demais. Teve um dia, era domingo de páscoa de 1993 e eu estava na praia. Me lembro que acordei cedo para comer chocolate e ver o Grande Prêmio da Europa. Meu pai já estava às voltas com o churrasco do dia e eu na frente da televisão esperando começar a corrida.

O tempo não estava dos melhores, na praia, na corrida estava horrível...uma chuva, dizem que foi o pior clima em que uma corrida começou. Luz verde...e foi aí que aconteceu, após a largada, foi dada a volta mais perfeita da história da Fórmula-1. Senna largou em quarto, caiu para quinto, e passou todo mundo até terminar a volta em primeiro lugar. O restante da corrida foi nesse mesmo nível, um espetáculo.

Acabada a corrida, parecia que o Brasil tinha ganho uma copa do mundo na rua da minha casa. Os vizinhos conversando sobre a vitória, falando dos detalhes do brasileirinho, com um carro inferior, superando o clima e os adversários de uma maneira vexatória de tão superior. E eu lá, participando de tudo isso, meu herói tinha vencido. Eu me lembro desse dia.

O Baron D’Arignac é a marca de vinho francês mais consumida no Brasil, está largamente distribuída em lojas especializadas e também em supermercados a preços bastante acessíveis. O tinto, elaborado com uvas de diversos vinicultores de Languedoc Roussillon e produzido pela Les Caves Landira, é um vinho fácil de se beber e acompanha bem carnes e queijos variados, dizem os especialistas. Esse era o vinho preferido do meu avô.

Teve um dia, eu estava começando a entender o que estava fazendo na faculadade de Direito, devia ter uns 20 anos. No final daquela semana, fui para Caxias, meus pais estavam viajando e fui jantar na casa do meu avô, Carlos Cesa. Nós conversamos sobre o que eu estava aprendendo na faculdade e ele me mostrou toda a coleção de livros de Direito Comercial que ele tinha. Depois preparou uns sanduíches de lebre em conserva, com pimentões e a “pomarola do vô” e tomamos uma garrafa de Baron D’ Arignac, aliado a diversos comentários da minha vó para que ele parasse de beber.

Entre uma lebrezinha e outra, perguntei qual vinho era o melhor de se tomar, ao que ele me respondeu que “vinho bom é o vinho que a gente gosta, independe de preços, avaliações, apenas seu mais puro gosto. E isso não vale só para os vinhos, vale para tudo; vá sempre pelo seu gosto”. Eu me lembro desse dia.

Hoje, o Senna e meu avô não estão mais por aí, mas suas experiências e exemplos, seja pela televisão ou pela mesa de jantar, contribuíram de alguma forma para a minha própria vivência. É importante, de tempos em tempos, lembrar desses dias.

Finca Narbona e a busca da Perfeição

Dizem, os professores com seus cardigans, que tudo tem que ser feito devagarinho, um passinho por vez. Stefano havia tido a primeira aula dessa matéria quando estava viajando sem rumo e acabou na Argentina. Afora o excelente Malbec que conheceu, levou importante lição do, agora amigo, Gonzalo sobre como encarar a estrada da vida e do vinho e conviver com a certeza de que ela é, de fato, infinita.

O banco frio e desconfortável do Terminal del Sol em Mendoza era o único divã disponível para Stefano encostar a cabeça e deixar fluir suas idéias. Nos últimos tempos, sua vida estava sendo movida pelo medo de não conhecer tudo, de não experimentar; impulsos esses que, apesar de levarem para frente, estavam cobrando um preço muito alto pelo trajeto.

Nessas horas é bom ter amigos, de longa data ou de ontem, pessoas que tragam um pouco de ar fresco e nos façam olhar em outra direção.

Um agudo barulho de freada de automóvel ecoou pelo átrio do Terminal de Omnibus fazendo Stefano dar um pulo do banco e acordar do transe. Ainda atordoado, vê uma figura bonachona e conhecida sair apressadamente de uma Caminhonete. A sua carona, com atraso, finalmente havia chegado.

- Perdón por la demora, Stefano. Estaba comiendo unos panchos con mostaza y se me hizo tarde.

Gonzalo, dessa vez, não parecia aquele senhor com ar acadêmico que havia lido todos os livros do mundo. Continuava sábio nas palavras, por óbvio, mas sua calça jeans, o cinto escondido pela barriga proeminente e a camisa polo amarela já davam a entender que a viagem seria diferente.

O caminho dos vinhos é infinito e o que vai em direção a Punta del Este é longo, mas termina. Gonzalo ia para casa, descansar; Stefano, para qualquer lugar. E naquele momento, o lugar era a RA-7 com destino a borda do Rio de la Plata.

Não havia espaço para o mochila de Stefano em qualquer lugar da espaçosa caminhonete de Gonzalo. A profusão de telas, rolos e maletas era tanta que a tal backpack e a sacola com uns vinhos comprados em Mendoza foram junto no banco da frente.

- O que são todas essas telas e materiais? Perguntou um Stefano, para variar, intrigado.

- Es el material de una de mis aficiones. Yo hago la más egoísta de todas las cosas en el mundo, obras de arte. Es una terapia para mí pintar cuadros y otras cosas también.

Gonzalo tinha uma cara de que gostava de deixar fluir sua criatividade, demonstrar aos outros seus pensamentos por outras vias. Nessa conversa percebeu-se que guardava profunda admiração por Vincent Van Gogh. Via nele todas as qualidades que admirava na pintura. Fã assumido do holandês, lhe agradava muito Os Comedores de Batata, mas não deixava de salientar que esses poucos gênios trazem consigo uma história igualmente única.

O nosso cortador de orelhas, explicava Gonzalo, estreou na vida com o mesmo nome do irmão que havia morrido um ano antes. Ou seja, os pais deram ao pequeno Vincent o mesmo nome do seu falecido irmão, na expectativa de suprir qualquer situação que talvez a psicologia explique.

- Imagine, niño Stefano, Van Gogh cada vez que regresó de la escuela, cerca del cementerio, pasó la tumba de su hermano, y vio su nombre escrito en esa lápida!

Stefano ficou a pensar o que se passava entre as orelhas do futuro pintor, seria ele uma farsa de si mesmo ou seria ele uma tentativa de seus pais de reviveram o que já havia passado? O filho que os pais de Van Gogh viam não era aquela criança que estava ao seu lado, sempre quieta e com problemas de relacionamento, viam uma criança imaginária com todas as caracteristicas e expectativas que a cabeça de seus pais podiam conceber.

Por fim, o uruguaio lembrou que na vida todos temos expectativas e vontades que sempre beiram a perfeição, perfeição essa que não existe. Colocamos nos nossos filhos, nos nossos quadros, nas nossas metas, objetivos e anseios que a eles não cabem ou não são possíveis de se atingir.

A estrada era longa e com a companhia das idéias sobre as expectativas que se tem na vida tomando conta da paisagem, nem se deram conta que já haviam deixado a Argentina e o ferry cruzado o Rio de La Plata. Gonzalo estava quase em casa, mas antes queria dar uma passada num lugarzinho...

Na pequena cidade de Carmelo, às margens do Rio de la Plata, encontra-se a Finca Narbona, construída pelo espanhol Juan de Narbona em 1732. No entanto, somente em 1909 sob as mãos do sonhador Vicente Bogliacino que as videiras começaram a ser cultivadas. Os prédios onde se realizam as atividades da vinícola são os mais antigos do Uruguai.

Hoje em dia, a Finca Narbona, produz vinhos Tannat de renome internacional, além de um dos queijos mais conceituados da Cisplatina. Tudo isso aliado a uma atmosfera que transmite todo o esmero e preopcupação que os proprietários tem em querer sempre fazer o melhor.

A surpresa de Stefano de estar em um lugar que congregasse um vinho de excelente qualidade, queijos premiados, com um ambiente único, e uma história de romatismo e paixão na sua produção só foram superadas pela ar orgulhoso de Gonzalo ao mostrar o “quintal” de sua casa ao novo amigo.

Todos nós, a bem da verdade, colocamos em nossos filhos, sejam eles um garotinho ou um empreendimento, toda a expectativa, a esperança e a vontade que sejam os melhores, os primeiros. Olhando as videiras se perdendo ao longe, pensou Stefano que é, de fato, impossível agradar a todos e ser o primeiro por unanimidade, a não ser que você esteja na Finca Narbona, onde a perfeição existe.