O Melhor dos Acompanhamentos

Ando pensando bastante sobre a vida ultimamente. Todas as coisas que vem pela frente, mudanças, crescimento, responsabilidades... Não pensem que, só porque ando em um momento chave da minha vida, que esse lance só se aplica a mim. Na verdade se aplica a todo mundo.

Todas as pessoas se questionam sobre tudo o tempo inteiro. Seja a criança que acha que não tem que estudar, afinal jogar futebol é tudo na vida, ou que curso fazer quando terminar o colégio. Há sempre a obrigação de escolher, não se sabe onde vai passar as férias, mas precisa decidir o futuro de uma vida inteiro, e se pensa, amigo... ah se pensa...

Lembra dessa época? Olha, eu lembro da minha... Que época boa, vou te dizer... até ir pro colégio era legal. Claro que, física e matemática não eram a principal alegria do dia, mas valia a pena o sacrifício porque grandes amigos estavam juntos nessas horas. Acabava a aula, todos se reuniam na frente do colégio para combinar o que fazer na tarde ou no final de semana. Grupo de Estudos? Não, o caminho era um só, nos reunirmos em algum clube para jogar tênis, futebol, fazer nada, churrasquinhos.

Era essa nossa vida e não se queria nada mais... e que bom que foi assim por um longo tempo. Grandes amigos se formaram nessa época. Amigos daqueles que se diz que serão amigos pra vida toda. Sabe aquela velha história, tipo vamos combinar uma janta um dia desses, aquela história dos amigos para siempre...

A vida se encarrega dessas promessas, uma vez que os interesses comuns não mais existem, a convivência vai ficando mais rara. Todos tinham que ir ao colégio, agora cada um na sua faculdade, na sua nova cidade, no seu novo estado ou até no seu novo país. Pois é, as velhas juras do “vamos combinar”... o que fazer com elas, quando a vida torna a rotina tão difícil de se conciliar? Os encontros corriqueiros e usuais agora são raros, e quando acontecem, são incompletos, pela falta de quórum.

O ideial é que se tivesse tudo na vida, mas não é bem por ai...o que, olhando bem, não é de todo ruim.. por uma questão pura de economia. Se eu tenho 100 canetas, cada uma delas vale pouco; agora, se eu tenho 1 caneta, o valor dela é inestimável para mim. Desse modo, quando os amigos se viam todos os dias, essa atividade não era nada de especial; depois de toda uma década de raros encontros, o valor é, de fato, inestimável.

A vida vai seguindo sua marcha, os garotinhos que iam para o clube todos os dias, agora querem uma turminha de duas pessoas... querem casar. Passou-se o tempo de estar com os amigos todos os dias e ser a eles a quem se recorria na primeira incerteza. Agora se quer uma companheira para toda a vida, se quer olhar para frente e caminhar junto com ela por todos os cantos do mundo. É um pedaço da vida que termina, para outro começar; os tais ciclos, dizem.

Um grande amigo meu se casa nessa semana, vivemos todos junto com ele grandes momentos, de tempos esses que a memória faz parecer recém passados, mas que, de fato, demonstram uma longa e esplêndida jornada. Garanto, em nome de todos os amigos, que essa ciclo foi inesquecível, não somente pela época em que aconteceu, mas, principalmente, pelas pessoas que nos acompanharam.

Lembram do “vamos combinar”? Lembram da Caneta? Pois é... o vamos combinar, foi combinado, e o casamento é de fato uma caneta única... Resolvemos celebrar a nossa amizade e desejar vida longa ao nosso amigo com um evento que teve 3 gratos convidados, conhecidos convidados e boas surpresas.

Para alegrar nosso almoço, com nosso espírito leve e feliz, nada melhor que um rosé da provence. Eu, que sou fã número desse tipo de vinho até tentei ficar quieto, mas com o aval do noivo, deixei de cerimônias e me fui.... garçom: Por favor, traga um Domaine Sorin – Terra Amata 2009, balde com gelo, acerte o seu relógio e keep on bringing...

Esse rosézinho de uma cor radiante, tal qual o Sol estampado no rótulo provém de um vasto blend, Grenache, Cinsault, Syrah, Mourvedre, Carignan, Rolle e Ugni Blanc... ufa... Combinou perfeitamente com a nossa vibe de celebração e nostalgia.

Mas toda a vitória tem um brinde, e brinde se faz com espumante, certo? Certo. Brut ou Moscatel? Eu prefiro brut, mas e os outros? Ahhh, garçom, traz de tudo, que hoje é festa! E vieram... uma excelente Cave Geisse 2005 Brut e segundo fui informado, uma doce e competente Terranova Moscatel.

Digo só uma coisa, que Cave Geisse... beijo pra ti, Cave Geisse...

Todos naquela mesa eram de Caxias, e logo da uva e do vinho, uns ainda moram lá, outros foram tentar a sorte em outro lugar, e tem os que já foram e agora estão de volta. Fomos inseparáveis por um tempo, hoje estamos quase sempre distantes, mas temos a certeza de que, quando nos encontramos, estamos sempre bem acompanhados, tanto de amigos como de vinhos.

Masi Passo Doble e o Acquired Taste

Eu aprecio a experiência, quem não, né? Sabe, aquelas coisas que vão se coletando com o tempo, que passam como que por mágica pro nosso HD, que muitas vezes, ninguém sabe e ninguém viu de onde vieram e por que estão ali, mas são fundamentais para a compreensão dos fatos.

Quando somos pequenos, não sabemos nada de nada... todo cachorro é mansinho, terra e chocolate granulado são a mesma coisa, os pais sempre foram ótimos alunos e sempre falta mais meia hora pra chegar na praia.

Mas nós crescemos amigos, sim... com 13, 14 anos já somos mais inteligentes e sabidos que qualquer pessoa do mundo. Beber um copo de vinho já é ser um sommelier. Com uns vinte e poucos, a gente começa a notar que de fato, o pouco que sabe ainda não é nem a gorjeta comparado com o que o carinha de cabelos brancos que te carregou no colo conhece.

Mas assim é a vida, uns sabem e outros tem vontade de aprender. E vai se aprendendo com a vida e com o tempo.... O grande mestre Juan Manoel Fangio falando sobre a experiência disse que:

En el principio cuando yo corria, todo lo agarrava fuerte, hasta que me lastimava las manos. Despues, comprendi que com los dedos se manejava mejor. Todo se va haciendo con el tiempo, nadie nascio sabiendo...

Olha, concordo com o amigo Fangio, concordo porque não é só a experiência adquirida, mas sim o caminho percorrido em sua busca. Não é um belo dia que se acorda experiente, sabendo... é um caminho que se percorre. As coisas são adquiridas com o tempo, do kart a Formula-1, do suco de uva ao vinho.

É... com o tempo... se acostumando com os sabores e suas complexidades, é assim que se apresenta o acquired taste. O acquired taste é um conceito que se refere a uma comida ou bebiba que é incomum ser apreciada por alguém que não está acostumada a ela.

Levante a mão quem gostou de sushi desde a primeira vez que o comeu... não vale hot... Quem com menos de 15 anos gosta de café espresso? Quando tu começou a gostar de azeitona? E o vinho tinto, hein?

Vinho tinto não é bem assim também, you gotta “learn to like”.

Eu concordo com isso, estou aprendendo, estou tentando, um passo de cada vez.

A minha escolha da vez não é um mero passo, é sim, um passo doble. Trata-se do Masi Tupungato – Passo Doble – 2006. Um argentino cheio de si, se é que existe algum argentino que não seja.

É uma excelente combinação de Malbec (65%) , Merlot (5%) e Corvina Passificada (30%). Pois é, a Corvina, a essa uvinha italiana é dado o tratamento de uva passa, onde grande parte da água é perdida e concentra bastante açúcar e, quando adicionada ao mosto do malbec e merlot, ocorre uma segunda fermentação, resultando em num vinho fresco e seco, dizem que ideal para acompanhar diversos pratos, especialmente pizzas, dizem eles...

Pois é, pensando sobre isso, acho que ainda estou muito longe, apesar de apreciar bastante, de ter já adquirido ou “aprendido a gostar”, mas isso no fim das contas não é fundamental. Como disse o Fangio, tudo se aprende com o tempo, então, continue treinando que um dia se chega lá.

A Panturrilha e a Rolha

Às vezes eu apareço

Outras não se pode me ver

Mas é preciso dizer

Que um elogio eu mereço

Ela está sempre ali. Às vezes a mostra, às vezes coberta, umas maiores, outras mais curtinhas, algumas esguias, todo mundo a conhece, mas quem a admira? Sim, muitas vezes não é notada, é tratada com desdém, pobre dela, pobre panturrilha, tão esquecida.

Tadinha, confesso, gosto de detalhes, me preocupo com os mínimos quesitos de tudo, pois eu acho que é ali que a essência se mostra.

Não, não... não acho que a essência da pessoa esteja na batatinha da perna, estou só mostrando que eu presto atenção nos detalhes, ok? Mas o fato é, como não admirar uma linda panturrilha feminina? Daquelas esguias, lisinhas, sabe... começam lá no tornozelinho e vem subindo e até que formam aquela porçãozinha... tipo aquelas que sempre desfilam no La Barra..saca?

Ai, ai.... mas onde que eu tava? Ah sim! Os detalhes... como faz diferença quando até os detalhes se encaixam. Será que estou sozinho nessa? As pessoas prestam atenção nos atributos mais mainstream, que o grande Alfie Elkins definiu como FBB (face, boobs and bum), e deixam de lado essas preciosidades.. tão esquecidas, todas com sua grande contribuição para o conjunto da obra.

Deixem-los, amigos! Esqueçam eles, com suas visões obtusas sobre as coisas lindas da vida.... ah vocês...

Sim, sim, elas, essas mulheres, tem aquele “je ne sais quoi, manja? Tipo um saber implícito de que são dotadas de TODA a beleza do mundo. Sabem que até nos detalhes, mesmo esses que passam despercebidos muitas vezes; sabem que, além de auxiliarem na sustentação física do corpo, as lindas batatinhas erguem a auto-estima e dão aquela empinadinha no nariz, mas sem esnobar, só aquele ar de segurança, genesekua... E lá vão elas, lá passam elas, nos fazendo virar para admirar mais uma vez.

Convenhamos, parece contradição, mas para mim detalhe é fundamental. Já disse aqui que sou um cara a moda antiga, e um pouco nostálgico. Muito está se falando das rolhas das garrafas de vinho hoje em dia. O reinado da cortiça está ameaçado. A tampa rosca está chegando, crescendo e aparecendo... reivindicando seu lugar ao Sol.

Dizem eles, os especialistas, sempre esses carinhas, que ambas cumprem bem o seu papel. A suprema rolha de cortiça é imbatível para vinhos de guarda, com sua capacidadezinha de permitir uma passagem de ar ideal para que esses vinhos envelheçam da melhor maneira que conseguirem. No entanto, podem regalar ao vinho um gosto/aroma que lembra mofo, por conta da formação de cloroanisóis (oi?) na rolha, o tal “gosto de rolha”.


Já a querida tampa rosca (screw cap). Essa é muito criticada... nem de saca rolha precisa. Vale dizer que a sua vedação é perfeita e não há de qualquer contaminação, lembra dos cloroanióis?... pois é, mas e a questão da guarda? Aí os titios especialistas divergem, uns dizem que o envelhecimento se dá da mesma maneira que na rolha de cortiça, pois o ar necessário para o envelhecimento adequado do vinho já está presente na garrafa, sendo ainda melhor que a cortiça, já outros dizem que não se presta para vinhos que não se tenha a intenção de ser bebido jovem.


Sinceramente, não tenho uma opinião sobre qual de fato é a melhor, acho que teremos que esperar alguns bons vinhos com tampa rosca serem postos para a eternidade (existe algum será?).

Mas uma coisa eu garanto, da mesma forma que as chicas com suas lindas panturrilhas, os vinhos com rolha de cortiça estão todos com seus narizinhos empinados nas suas adegas.



Jesus Cristo, Pinot Noir e Dúvidas...

Olha, não sei bem ao certo quantas pessoas são, acho que muitas... milhões? Com certeza. Bilhões? Possível. Quem aqui conhece um cara chamado Jesus Cristo? Não precisa ser pessoalmente, pode ser de ter ouvido falar ou que seja amigo de um amigo. Na verdade, não tem muita importância, o que é relevante é que esse cara te seja familiar. Manja? Cabelão... barba grande, sempre daquele jeito meio per fare, uma túnica branca e uma sandália de couro da Richards meio fora de moda. É assim que todo o mundo vê o nosso JC.

O cara apareceu, ficou por uns 30 anos bem tranquilão e lá pelas tantas, virou O CARA... transformava água em vinho, multiplicava pães, ressuscitava e ainda passava aos seus amigos, os apóstolos, toda a sabedoria que ele tinha.

Jotacê era muito casca... Fundou uma Igreja, a Igreja Católica, assim, todo mundo que curtia as idéias dele viraram fãs da Igreja, pautando suas vidas conforme os seus ensinamentos.

Tá! Mas espera um pouco... Como que ele ficou tão popular? Como ele conseguiu convencer a todos que o que ele dizia era mais certo e o que fazia mais adequado? Pô! Ele era filho de Deus! Quem? Deus... o criador, que te deu a vida, o corpo, a alma... dizem, enfim a entidade suprema.

Allright...Mas Deus anda por ai? Não! Jesus nasceu da barriga de alguém? Sim! Como então? Milagre... Simplesmente nasceu... o tal de José ficou ali meio que olhando de canto, pois é amigo, teve um filho e a mulher continuava virgem. Depois dessa, passaram-se 33 anos e ele morreu. E? E? Bamm, ele ressuscitou, tipo voltou a viver... To começando a entender...o cara era filho de Deus, a mãe dele era virgem, não morre... óbvio que eu vou seguir o que ele diz, né?

Mas cá entre nós... meio sci-fi essa história né? Daí uns caras começaram a questionar essa coisa toda, porque ninguém simplesmente renasce, aí é que a coisa começa a esquentar... mas não pode... Não pode o que? Questionar! Por quê? Porque é um dogma! E daí? Daí que dogma não se discute, se aceita e pronto! E se eu não quiser? Tu tá fora! E? Tu vai pro inferno!

Opa, opa, opa... inferno é casca, dizem, acho que foi no trip advisor, que lá é pior que o Carandirú, não quero... entao? Então tu acredita. Beleza, morre e ressuscita, a mãe é virgem, tudo para não ir pro inferno...

O que não faz o medo do desconhecido né? Como a ignorância tem significativa influência no que achamos ou pensamos que achamos, principalmente. Como a realidade pode se tornar malheável se realmente queremos que algo seja verossímil.

Não só com a Igreja, não só com o sobrenatural... essas questões podem se apresentar singelamente em um rótulo, por exemplo, num mero, porém detalhado rótulo de vinho.

Recentemente, uma grande fraude foi descoberta pelas autoridades francesas. Distribuidores franceses estavam exportando para os EUA vinhos de Merlot e de Syrah como sendo de Pinot Noir, uma uva mais nobre e com um valor de mercado bastante superior.

O que aconteceu é que, após o boom em torno do Pinot Noir provocado pelo filme Sideways, em 2004, a demanda por esses vinhos na América aumentou drasticamente. Assim, acabou que não houve produção suficiente. A farsa foi descoberta pois a região de onde os vinhos eram provenientes não tinha condições de produzir em tamanho volume. Nessa fraude, que iniciou em 2006, foram vendidas mais de 13 milhões de garrafas, dentre elas o vinho Red Bicyclette, de propriedade da maior vinícola familiar dos Estados Unidos.


Essa questão é realmente preocupante, mas sabe o que me deixa assustado? Ninguém percebeu a diferença! Foram vendidas todas essas garrafas e ninguém notou nadinha... Uma das maiores vinícolas americanas não conseguiu distinguir a matéria-prima que estava comprando. Esse vinho, o Red Bicyclette Pinot Noir 2006, recebeu 86 pontos na Wine Spectator e nem Pinot Noir era, ou seja, nem os mais conceituados críticos perceberam. Será que de fato sabemos o que estamos tomando? Será que os críticos sabem realmente distinguir em detalhes ou sabendo o que está no rótulo facilita muito o trabalho? O vinho virou esse artigo de luxo que a embalagem é mais importante que o conteúdo?

Eu fico a pensar... será que preferimos não questionar e aceitar algumas coisas como nos são apresentadas para termos conforto e tranquilidade? Seja ela da garantia de um bom vinho, seja por um lugar no paraíso. Eu fico a pensar...