Graças ao Vinho que Existe o Beijo

Ainda em extase com a realização do grande sonho tinto, nosso pequeno aventureiro Stefano tratou de continuar suas peripécias pela eterna terra Napoleônica. Estava ele ainda em Bordeaux e, olhando a timetable da estação de trem Saint Jean, num lampejo açucarado decretou seu próximo destino.
- Monsieur, un billet s'il vous plaît. Allons nous!!!

O trem lentamente deixava a estação, com a companhia do Rio Garonne, quando Stefano começa a folhear uma revista aparentemente esquecida por um outro passageiro. Nosso enofriend, lá pelas tantas, se vê mergulhado em um relato de tempos já idos da nossa história, veramente interessante, e assim deixou levar-se...

Antes do início do Império Romano, época desvairada e sem limites desses latinos mucho locos, vivia-se a chamada República, período com muitas regras, normas e condutas sociais severas, sendo que para os homens: tudo e para as mulheres, o que? Nada..

Tempos difíceis para as romaninhas, e não era nem de votos ou qualquer outro direito político que estivesse sendo vetado ao dito sexo frágil. Elas não podiam beber vinho!! VINHO! A elas foi tolhido o direito de se deleitar com o nectar de Baco. Esses romanos, munidos dessa visão talibã de hoje, as proibiram de beber, direito esse somente reservado aos homens.

Nesse momento, Stefano ficou admirando a paisagem rumo ao sul, discutindo consigo mesmo se continuaria a ler esse relato, afinal como poderia o vinho ser objeto de tamanho ultraje? Resolveu continuar, com a certeza que no final o vilão se transformaria em herói.

Naquela Roma, por uma decisão do Senado, proibiu-se as mulheres de beber vinho em público, não poderiam se lambuzar em qualquer evento com seus amiguinhos de túnicas brancas a falar sobre os destinos da terra de Romulo e Remo. Mas convenhamos, regrinha fácil de quebrar essa, nénão? Deixa uma garrafinha de ladinho na bolsa e quando o guardinha nao estivesse olhando, glup! um golinho só pra dar um brilho.

Pois é, os caras conquistaram quase todo o mundo que se tinha notícia e não iam pensar nisso????

Pensaram, amigo... Pensaram.... Eles usavam o bafômetro. Mas como na verdade o bafômetro ainda não tinha sido inventado, a solução era cheirar a boquinha das romanas para garantir que nelas não havia qualquer vestígio de vinho. E assim eles faziam, os homens investigando bem de pertinho o hálito das mulheres, uma espertinha caça às transgressoras se formara e, com a evolução natural das coisas e o espírito latino em alta, para as bocas se tocaram foi rapidinho e dali que nasceu o beijo o primeiro beijo da história... Sim, o vinho foi o responsável pelo nascimento do beijo! Quem diria que além de todas as benesses do nosso campeão, o vinho nos presentearia com mais essa dádiva.

Stefano respirou aliviado, não poderia o vinho ser vilão dessa história, no fim das contas o vinho era o herói. Sem essa lei sobre o vinho, não haveria o beijo; de fato, há males que vem para o bem.

Fim da linha! O trem já estava aportando em Barsac, na regisão de Sauternes. Stefano sai da Gare e toma o rumo do grande Chateau D’Yquem, para desbravar esse Sauternes que é tido como o fantástico do mundo. Um vinho de sobremesa, que se utiliza das uvas Semillon, Sauvignon Blanc e Muscadelle. Essa pequeníssima região congrega uma série de fatores climáticos propícios para o surgimento de um fungo que ataca as uvas, gerando a dita podridão nobre. Esse fungo faz com que a uva perca água, deixando-a com um aspecto de uva passa e com alto teor de açúcar, fundamental para a o produção dos doces Sauternes, o que sem ela não teria condições de atingir esse grau de qualidade.


Mais um sonho realizado, mais um pininho no mapa. Stefano estava mesmo numa terra abençoada, em qualquer outro lugar, um fungo recorrente nos vinhedos iria ser uma desgraça, mas aqui não, aqui é uma benção. De fato, assim como na Roma Antiga, há males que vem para o bem.

Um bom Ano e o Chateau la Canorgue

Um bom EnoFriend não é só sobre beber vinhos. Existe toda uma gama de oportunidades nas quais o vinho está presente. Tanto como um grato coadjuvante ou, vez que outra, como um competente protagonista.

Assim, além de falar sobre os vinhos que aparecem pelo meu caminho, pretendo trazer histórias de livros, filmes, ou qualquer outra forma de expressão que possa se mostrar relevante.

Tempos atrás foi lançado o filme “Um bom ano” (A Good Year), no qual um broker da bolsa de Londres herda um Chateau na Provence e na viagem que faz ao lugar para acertar a papelada e vendê-lo, acaba se descobrindo apaixonado pela região e suas peculiaridades.


Achei os lugares onde o filme foi gravado sensacionais, os vinhedos ficam próximos à cidade de Bonnieux, no Chateau la Canorgue e integram a Appellation Côtes du Luberon. Segundo seu vigneron, os vinhedos são cultivados sem qualquer produto químico ou sintético, apenas produtos naturais e lots of hard work.


De fato, não sabia da existência desse chateau, apesar de descobrir que possui muito boas reviews dos seus Blanc Marsanne 2007 e Syrah 2005. Além dessas duas, são também cultivadas as cepas Grenache, Mourvèdre, Merlot, Cabernet Sauvignon, Roussane, Viognier e Rolle.

É sem dúvida um filme divertido, tendo a produção de vinhos como um belo pano de fundo.

Hoje pode ser um dia especial

A experiência sobre o vinho desse post é uma história do grande amigo, destemperado e enólatra Diego Fabris, mostrando que as coisas boas da vida devem ser aproveitadas ao máximo, sempre. É contigo, Dieguito.

Quando era pequeno, ganhei uma camisa do Milan de presente. Adorava ela, achava a coisa mais linda do mundo e me sentia insuperável com ela. Não emprestava pra ninguém e usava ela só nos aniversários dos amiguinhos mais importantes ou no dias marcantes do colégio.

Guardada a 7 chaves, a mais bela do armário. Assim era ela: a camisa do Van Basten. Estufava o peito e encarava o que viesse. Usar ela já tornava o dia mais especial. Um dia normal ganhava outros ares e incrivelmente, ela trazia alegrias novas pra minha vida.

Até que um dia ela, a tal camisa, foi pra lavar e encolheu. Lágrimas e cara fechada. Um dia que mudou a minha vida. Um divisor de águas na vida de um moleque serelepe. Depois dali, decidi que não ia mais guardar tanto as coisas, que ia usar mais elas numa batida carpe diem. Ganhou? Sai usando, que nem criança na noite de Natal.

Cerca de duas décadas depois, camisas de time já não me causam tanta preocupação. Outra paixão assumiu esse lugar, o vinho. Mas não pense que aquela ferida do passado foi embora. Ela ainda me acompanha. Talvez por isso eu nunca tenha guardado um vinho por tanto tempo na adega.

O paladar vai ficando mais exigente. Os vinhos na estante vão ficando mais caros. A minha carteira reclama. Mas uma coisa persiste, compro um vinho e bebo em um ou dois meses no máximo, independente do naipe dele.

Eis que surgiu na minha vida o Achaval Ferrer Quimera 2003. Esse mendocino tremeu tudo. Já havia bebido uma vez e sabia que se tratava de um vinho marcante, forte. Meu amigo Gornatti comprou um exemplar para a adega da firma, me olhou e disse: “esse aqui a gente vai beber num dia especial”.


E lá estava a garrafa repousando quieta a espera de “um dia especial”. 6 meses se passaram e nada. A gente olhava pra ela todo o dia e virava a cara. E se essa “menina dos olhos” resolvesse perder o valor como a camisa de outrora? Nenhum de nós se perdoaria.

Numa certa quarta-feira, decidimos por fim aquilo. Cansamos de esperar. É hoje! Gornatti preparou a garrafa resfriando-a um pouco naquela noite quente. Como mágica, a garrafa mudou a noite. Alguns minutos depois, recebemos uma ligação do único amigo que faltava àquela mesa. “Vou ser pai”. Incrível. Era sim um dia especial. E seria de qualquer maneira. Pois abrimos a garrafa e a degustamos com a certeza de que se trata de um vinho excelente.

Dizem os entendidos que temos no Quimera um vinho concentrado, com um corte típico bordalês acrescido da grande cepa argentina, o Malbec. A composição? 37% de Malbec, 28% de Merlot, 25% de Cabernet Sauvignon e 10% de Cabernet Franc. Todas estas se encontram e tem tempo de sobra pra se conhecer nos 12 meses que passam juntas nas barricas de carvalho francês.

Eu não sou um especialista. Sou um desses enofriend. Mas digo com certeza absoluta que o Quimera tem a capacidade de tornar qualquer dia especial. Não amanhã, hoje.

Friozinho na Barriga



Sabe, dizem que não devemos ficar nervosos... não faz bem, é ruim, prejudica, faz com que não se aproveite as coisas, etc. etc.

O nervosismo bloqueia, engana e desnorteia. Safadinho esse carinha... As vezes, quase imperceptível, só se nota que ele deu as caras depois, quando já passou e tu já está no corredor.

Esse lance de se enervar não é bem visto, onde já se viu ficar nervoso com as coisas??? Não precisa.... vai com calma, vai dar tudo certo... ah... não me venha com não me venhas...Eu fico nervoso... fico e pronto... Tipo, tô nervoso agora!!

Ah tô, pode apostar. Sá porquê? Porque a coisa importa. Eu fico nervoso quando a coisa importa. Manja o friozinho na barriga? É ele, o nervosisminho te enchendo a paciência, colocando minhoquinhas na tua cabeça, plantando pimentinhas no teu estômago.

Ruim? Claro... que não. Vou te dizer, as vezes acho que talvez fosse melhor nunca ficar nervoso, ser um homem de gelo. Mas daí penso que o inverso de ficar com o tal frio na barriga em determinadas situações não é segurança total e sim, insensibilidade.

Longe de mim querer ser insensível, longe de mim querer levar a vida sempre no mesmo volume, meio morno...Por isso, eu atesto: fico nervoso, ansioso, toda a vez que algo importante está para acontecer.

As coisas são assim, desculpem a redundância, mas tudo o que importa, importa! E em assim sendo, vem o friozinho na barriga para nos lembrar que os desafios devem ser encarados com vontade e seriedade, sempre buscando fazer o melhor e da melhor maneira possível.

Já falei que tô nervoso né? Pois é, eu tô! Não que eu não me importe com as outras vezes que escrevo, mas é que dessa vez é diferente.

Quero falar sobre o vinho que mais me deixa feliz quando eu bebo (não é o com maior graduação alcoólica). É um vinho espetacular, vencedor com louvor da Primeira Enocopa e que pela dificuldade de se encontrar por aqui, acaba sendo reservado e contribuindo para momentos únicos.

É o absoluto: Domaine Ott Couer de Grain - Chateau de Selles Cru Classé - AOC Côtes de Provence.


Em 2007, numa viagem que fiz à França, experimentei o "Ott" pela primeira vez em Menton, e toda a vez que encontro não resisto. Ok, que num lugar desses fica fácil gostar das coisas...

Mas a verdade é que esses francesinhos sabem das coisas, eles não simplesmente jogaram uvas num barril, os caras capicharam... olha a explicação deles para a seleção:

Cabernet Sauvignon: pela sua complexidade, elegância no blending e vigor;
Grenache: pelo calor que adiciona ao vinho;
Cynsault: pela sua finesse;
Syrah: em pequenas quantidades para arredondamento e cor.

Dizem os entendidos que ele vai muito bem com salmão marinado com endro, Coquilles Saint Jacques, e suínos com tempero agridoce.

E depois não querem que eu fique nervoso?