Villa Francioni Rosé e as Mudanças do Verão


Tudo sempre muda. Conhecem o Heráclito de Éfeso? Lá dos Éfesos, das bandas da Grécia antiga, Jônia... O papai da Dialética, como dizem os senhores de pullover. Olha, esse cara me faz pensar...Ele disse que tudo flui, tudo se move, exceto o próprio movimento. Na idéia central dele, as mudanças que todas as coisas sofrem e se proporcionam é uma eterna escalada entre contrários.

Assim, as coisas quentes esfriam, coisas frias esquentam, o que é seco fica molhado e o que é molhado fica seco. Pra esse carinha, o tal Heráclito, a realidade nunca é uma escolha, tipo é quente ou é frio. Para ele o quente e o frio são partes dessa mesma realidade. A realidade se apresenta na mudança, essa troca, essa guerrinha entre o quente e o frio é que marca a realidade, um não pode existir sem o outro. Tipo, eu não posso saber o que é ser saudável, se eu nunca fiquei doente.

O que importa dessa lição é que tudo flui, tudo muda, tudo se aprende. Desse mesmo maestro que saiu aquela máxima que todo mundo já ouviu “Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio...”. Tudo sempre muda...

Ainda mais no verão...Tudo sempre muda no verão... Pode ter certeza que um pouquinho antes do Natal, tu acha muitas coisas, tem várias verdades, aquilo é porque é daquele jeito.... mas te garanto my friend, até o Carnaval tu já mudou de opinião, já passou muita água do mar debaixo da tua ponte...

Às vezes, nem se sabe o que mudou, mas o sentimento já não é mais aquele, só se sente que o que era já não é mais. É engraçado porque de agosto a outubro as coisas não parecem mudar tanto assim, né? Elas vão indo, na água morna, mas acontecer, com letra maiúscula, é mais complicado.

Porque o verão é assim, uma época de ver outras coisas, mostrar novidades, sair da zona de conforto e deixar acontecer. Ir além do dia-a-dia da cidade e seu trio infalível e inconfundível de calça, camisa e sapato. No verão, não existe what If, na maioria das vezes só se tem uma oportunidade, aquele dia de mar perfeito, seja cheio de ondas ou seja sem aquela cor de chocolatão. Quantas vezes já não vieram te dizer que naquele dia tu tinhas perdido um dia fantástico na praia, o melhor mar do verão?

Eu me lembro dos meus verões em Torres, daquela época que se ia para a praia depois do Natal e quando terminava o Carnaval eu ainda estava lá, não me lembrava nem como se segurava uma caneta, mas sabia todos os esconderijos possíveis na vizinhança para fugir no “Polícia e Ladrão”. Não tinha, lá no início dos anos 90, internet, Enofriend, Orkut, MSN, celular, e telefone fixo em casa de praia não era lá muito comum, ou seja, se perdia totalmente o contato com os amigos da cidade que iam para outras praias.

Pois é, no verão o cenário muda e são, na maioria das vezes, acrescentados novos personagens à nossa história. Nesse último verão fiquei nu, me despi... perdi um preconceito... Tinha um pé atrás com vinhos rosés nacionais e nem queria saber de nada.

Nesse verão mudei de idéia, e não foi a contragosto, foi bem por querer mesmo... Inclui na minha lista de bons vinhos disponíveis facilmente por aqui, o Villa Francioni Rosé 2008.

Esse rosado de uma cor salmão excepcional, é produzido com as uvas Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Malbec, Syrah, Sangiovese, Pinot Noir e Petit Verdot. No meu modesto paladar, ele ainda está atrás dos rosés franceses que já provei (esse aqui e esse outro), mas certamente é o melhor rosé nacional que encontrei até agora.

Os verões são mesmo capazes dessas mudanças, que no fim das contas sempre vem para nos mostrar outra realidade, ou como ensinou Heráclito: a mesma realidade, apenas uma outra alternativa.

Mondovino – Entre o Moderno e o Romântico

Dia desses, aproveitando uma folguinha a beira-mar, me programei para assistir ao tão comentado documentário Mondovino, produzido em 2004 por Jonathan Nossiter.

Essa grande obra conta com a participação de grandes ícones da enologia moderna como Robert Mondavi (mega produtor de Napa Valley), Michel Rolland (um dos mais procurados consultores de vinho do mundo), Robert Parker (maior crítico de vinhos do mundo) e Michael Broadbent (responsável pela área de vinhos na casa de leilão inglesa Christie’s) falando sobre os caminhos que o vinho está percorrendo para se tornar um produto adaptado ao mercado mundial de hoje.

Do outro lado, é apresentado o lado romântico, a belle époque da produção vinícola. O jeito tradicional de se produzir o vinho é trazido nos depoimentos de nobres produtores, notadamente franceses e italianos.

A linha mestra do documentário gira em torno do possível círculo vicioso que está se formando em torno da avaliação de vinhos e a uniformização do sabor. Essa uniformização é representada pelas técnicas aplicadas e sugeridas por consultores que parecem, em tese, agradar aos críticos que, por conta disso, atribuem boas nota a esses vinhos, fazendo com que “tornem-se” melhores aos olhos dos consumidores, o tal círculo vicioso.

É mostrado o contraponto a essa questão, trazendo a história de diversos produtores tradicionais, que preparam seus vinhos procurando extrair o melhor do terroir e deixando o vinho com os sabores que ele possui pela sua natureza e não os manipulados pelas técnicas humanas, tal como a micro-oxigenação.

Os produtores modernos querem agradar a maior parcela de mercado possível para garantir maior receita e expandir seu negócio, o que é muito justo; e de outra sorte os produtores tradicionais querem manter a máxima de Galileu que disse que “Wine is sunlight held together by water”, sem mais nem menos.

Certamente é uma produção que merece ser vista, um duelo entre o moderno e o romântico, que influencia diretamente o nosso paladar. Saber quem está certo é complicado, o mais provável é que ambos tenham sua parcela de razão, é uma decisão difícil, mas eu sempre fui um cara romântico.

Vinicola Carinae e a Utopia do Vinho

Ele chegou de volta por ai esses dias, com um sorriso como há muito não se via. Stefano estava com aquele olhar tinto da época de berçinho. O jumbo da Pan-Am desembarcou na Terra Brasilis com nosso queridão cheio de garrafas e histórias para contar.

Mal chegou em casa, jogou a mochila na velha cama que hoje já não é mais porto seguro de nada, colocou alguns Bordeaux e uns Sauternes na adeguinha do lado da escrivaninha do quarto e parou para pensar no que havia acontecido nos últimos tempos.

Havia ganhado o mundo, vivido seus sonhos e de repente de volta a casa. Deitou no sofá da sala e sorriu; aquele sorriso de dever cumprido, de alma leve, de cabeça fresca. A TV estava no volume baixo, as imagens, de outrora, mostravam um Príncipe Charles jovem, falando sobre conflitos políticos, uma guerra em plena América do Sul, na tal das Malvinas, para o Príncipe: Falklands.

Stefano jamais tinha ouvido falar de tal lugar, certamente conhecia a Argentina e seus arredores, mas as Ilhas Malvinas eram uma novidade. Quantos lugares ainda lhe faltavam conhecer no mundo? Quantos seriam os lugares de que sequer havia ouvido falar? Essas dúvidas foram suficientes para que ele desse um pulo do sofá, deixasse o Príncipe falando sozinho, e com a velha mochila de volta à paleta saiu em busca, em busca... em busca de que?

Estava estranho o nosso desbravador, a mera possibilidade de não conhecer todos os lugares do mundo, todos os vinhos do mundo lhe trazia um desconforto, que embora o fizesse buscar sempre mais, acabava deixando-o por demais angustiado. Nessa ânsia, tomou um ônibus para o Uruguai ou Argentina, nem ele sabia... Tannat ou Malbec, tanto faz, como diz a sra. Venegas, “me despido de ti y me voy”, e se fue rumo ao sul.

Sentado na beira do assento, olhando o pampa pela janela, mal percebeu que um senhor, já grisalho, se sentara ao seu lado... a sra. Venegas tratava de deixá-lo alheio aos ruídos do mundo. E este senhor, tranquilo, se pôs a ler um livro, serenamente respaldado no conforto da experiência.

Low bat...com a voz de Julieta Venegas se esvaindo com o fim da bateria, Stefano, somente agora, notava a presença do seu companheiro de jornada. Após um cordial sorriso, insinuou ser um daqueles gauchos (não gaúcho, mas un gaucho, manja gÁucho), se chamava Gonzalo e lia um livro de um compatriota uruguaio chamado Eduardo Galeano, Las Palabras Andantes.

Stefano sentia que precisava desabafar sobre as questões que estavam a lhe tirar o sono, e como os pampas já estavam se tornando repetitivos, falou sobre seu desejo de conhecer todos os vinhos do mundo e a impossibilidade de, de fato, o fazer. E se era impossível, por que tentar?

Gonzalo, pacientemente, ouviu toda a síntese do turbilhão de dúvidas e contradições emocionais que se passavam na cabeça do jovem e, do alto de sua sabedoria, proferiu lição do livro que o acompanhava:

- Ella, la utopía, está en el horizonte. Me acerco dos pasos, ella se aleja dos pasos. Camino diez pasos y el horizonte se corre diez pasos allá. Por mucho que camine, nunca la alcanzaré. ¿Para qué sirve la utopía? Para eso sirve: para caminar.

Em um primeiro momento, Stefano considerou que aquela frase fosse apenas para que ele se desse por satisfeito e deixasse o gaucho voltar para o seu livro. No entanto, como um vinho que precisa descansar para se tornar melhor, aquelas palavras ficaram vagando pela sua cabeça por um tempo e antes de cair no sono, perguntou à Gonzalo:

- Qual o destino final dessa viagem?

- Mendoza. Disse ele.

Viagem longa, viagem necessária...Gonzalo voltava do toalete quando os primeiros passageiros já se preparavam para desembarcar na argentiníssima Mendoza. Stefano, com as ideias frescas e dormidas, se perguntava sobre como fazer essa caminhada, sabendo que o horizonte sempre se afasta, qual a receita para esse sucesso afinal? Gonzalo, em tom de despedida e boa-sorte, disse num sorriso:

- Haga, en la vida, siempre lo mejor que puedas, con la fuerza de papá y la clase de mamá.

Assim se despediram, Gonzalo convidou o novo amigo a visitar seu país e conhecer o famoso reduto do Tannat, mas enquanto não era a hora de ir a República oriental, pensou em provar algum Malbec, afinal estava em Mendoza.

Em um restaurante especializado em cortes daquela região, a fome pedia uma parrillada completa, e para acompanhar, olhando a carta de vinhos descobriu seu companheiro de almoço. Um Vinicola Carinae Reserva Malbec 2007, feito ali mesmo, na grande Mendoza.

Esse grande vinho argentino, elaborado por franceses e sob a supervisão do conhecido Michel Rolland, recebeu 87pts pela avaliação de Robert Parker. O Malbec Reserva 2007 dessa vinícola boutique, atende pelos predicados de cores profundas, complexidade, e envelhecimento de 12 meses em barricas de carvalho francês, certamente digno de tal viagem.

Enquanto os pratos da parrillada iam e vinham, Stefano se pôs a pensar que, no mundo do vinho não há como conhecê-los todos, se percorre uma estrada sem fim, sempre haverá um novo vinho a experimentar ou um velho a se descobrir. A estrada é mesmo sem fim, dá-se um passo a frente e ela teima em se estender um passo ao horizonte; não nos resta nada a não ser continuar caminhando, com a força do papai e a classe da mamãe.