Taittinger Prélude e o Toque Real

Sonhos são sonhos. Quando se têm, por mais que se queira fugir, há sempre uma forcinha a virar a cabeça para o lugar que o teimoso e vencedor inconsciente deseja. Stefano estava indo e vindo há um tempo e desde quando se pôs a ouvir Dimitri declarar as glórias da França e seu grande general, estava certo que lá era seu lugar, pelo menos por um tempo.

A viagem de Budapeste para a França, apesar da longa jornada atravessando Áustria e Alemanha, traz do outro lado da janela do trem um passatempo inesquecível. Assim que cruzou a fronteira saindo da Hungria, os alpes austríacos começaram a dar o ar da sua graça. Lindas paisagens cruzavam o caminho de Stefano, que na ausência de companhia, deixava as imagens tomarem toda a sua atenção.

Cruzando os alpes austríacos e entrando pela Alemanha por Salzburg, Stefano não tardou a cruzar por lugares como Garmisch-Partenkirschen que lembraram a sua paixão esquecida pelo ski e também como o frio e a neve combinam com jantar, lareira e vinho.

Finalmente em solo francês, Stefano anotava em seu Moleskine as grandes possibilidades que podiam aparecer se fizesse uma parada pela Borgonha, berço do Chambertin de Napoleão. O trem, no entanto, seguia firme sua marcha borbulhante rumo à Reims.

Depois de ouvir do amigo cossaco sobre Napoleão e sua eterna busca pela realeza, seu destino não parecia ser outro senão aquele que produzia a bebida dos reis, o símbolo da celebração e o merecido refresco da vitória, o champagne.

Quando o trem cruzava Epernay, Stefano estava parecendo um cachorro para fora do vidro, queria experimentar, sentir, fazer parte dessa história de tradição e elegância. Faltava pouco para que o chão da gare de Reims chegasse ao seu encontro.

Pronto, pronto... Ali ele estava...Se a história tivesse peso, várias toneladas estariam sobre seus ombros naquele momento. Stefano estava em Reims, caminhando pela Avenue du Champagne, como um aluno na classe, esperando que história lhe fosse apresentada.

Costurando o centro de Reims, próximo a Avenue Louis Roederer, Stefano encontra um bistrot com uma vista que deve ter de alguma forma servido de inspiração para uma senhora. O Bistrot ficava do outro lado da rua dos grandiosos jardins do Hôtel Ponsardin, lugar que durante muitos anos serviu de morada para uma jovem, filha de um grande comerciante de tecidos chamado Nicholas Ponsardin, e cujo casamento com o senhor François Clicquot viria a durar muito pouco, e atendia pela graça de Barbe-Nicole.

Olhando uma janela que poderia ser de seu quarto, Stefano se sentou em uma mesa na calçada. Apesar do frio, havia uma outra mesa ocupada ao seu lado.

Continuando a mirar a mesma vista que uma vez contemplou a dama do champagne, Stefano se viu pensando sobre o quanto a vontade de uma pessoa pode revolucionar todo o mundo, o quanto a vontade em querer fazer o melhor pode fazer o mundo se curvar diante de uma garrafa.

Na outra mesa ocupada na calçada, uma elegante senhora bebia calmamente uma flûte de um néctar claro e borbulhante. Com seus trajes clássicos, uma echarpe esvoaçante por conta da brisa do inverno, tinha seu rosto parcialmente coberto por um monárquico chapéu, que a fazia se destacar dentre todos os outros passageiros da Avenue.

Não havia como não notá-la, sua presença até mesmo preenchia as mesas desocupadas e fazia com que a calçada ficasse mais estreita... uma duquesa? Herdeira de uma maison? Stefano ficou curioso...

Quando lhe foi oferecido o Menu do bistrot, Stefano não tardou a perguntar o que havia de diferente naquela senhora, que aura ela trazia que a deixava daquela maneira? A jovem francesa, num inglês carregado, disse:

- As Madame de Pompadour used to say, “Champagne is the only wine that leaves a woman beautiful after drinking it. It gives brilliance to the eyes without flushing the cheeks”.

Stefano, na sua ânsia por querer entender tudo e todos, se aproximou da senhora e, na tentativa de estabelecer qualquer contato com essa entidade que exprimia em todos os detalhes a quem uma garrafa de blanc de noirs sonhava em ser servida, indagou o que bebia.

A senhora bebia um Taittinger Prélude Grand Crus, de um aspecto brilhante, uma cor amarelada e perfeita borbulhas que tardavam a se dissipar. Esse champagne produzida na proporção de 50% Chardonnay e Pinot Noir totalmente provenientes da região de Champagne é feito totalmente de cuvée, ou seja, da primeira prensagem, mais leve, de onde os produtores acreditam se extrair o melhor produto.

Realmente, “realezamente”, a senhora sabia o que degustava e sabia se comportar como tal e em uma relação superior com sua taça, olhando o horizonte e sentindo-se flanar, disse para o súdito na forma de Stefano:

- I drink a flute of champagne every day. At least for an hour I feel like the Queen of France.

Gevrey Chambertin e o Destino de Napoleão

Uma agulha no palheiro, essa era a chance de encontrar um russo apreciador de vinhos. Claro que a vodka ainda era sua preferida, a paixão de todo bolchevique, mas o vinho ao que pareceu guardava estreita ligação com Dimitri.

Pois Dimitri, essa era a graça desse cosaco de bochechas rosadas como sua bandeira, era um grande apreciador de tintos, brancos, rosés, colheitas tardias, enfim, a uva fermentada em todas as suas formas.

Como já havia se percebido, Dimitri flertava constantemente com a política e guardava profunda admiração pelas biografias dos grandes líderes de seu país e mais tarde ficaria claro que seu apreço era endereçado a todos os líderes, independente de suas nacionalidades.

Costeando o Rio Danúbio, Stefano e Dimitri, saem das ruas principais de Budapeste, ainda observados pelo Castelo de Buda e entram no wine bar onde o russo havia reservado uma mesa. Apesar do inverno, o lugar estava bastante cheio. Duas pesadas portas de vidro tratavam de deixar o frio lá fora enquanto uma bem localizada lareira deixava o grande ambiente interno na temperatura ideal. Um grande balcão servia de morada para diversas garrafas onde, segundo constava, se preparavam premiados drinks de autor e alguns solitários tratavam de esquecer seus problemas.

Stefano estava envolto pela atmosfera do lugar e voltou a si com o chamado de Dimitri para sentar-se a mesa com duas mulheres que ali estavam. Eram duas alunas de Dimitri, que era professor de história na Universidade de Budapeste. As duas estavam a falar sobre a última aula, que trazia a biografia do maior general francês de todos os tempos. Dimitri, aparentemente alheio aos comentários das garotas, ordenou um vinho ao garçom, que logo se afastou.

Continuando com a conversa Dimitri, novamente embuído do espírito um tanto nostálgico e outro tanto poético, versava sobre os grande feitos de Napoleão Bonaparte. Dizia o professor que amava a Russia acima de tudo, mas naquele dia Napoleão havia feito o leste se curvar, e por consequencia também ele se curvara.

A Inglaterra, não satisfeita com a frágil paz que havia se instalado entre ela e a França, começa a costurar alianças para se levantar contra o império francês, e nessa coalização entram o império austríaco e russo, contava Dimitri. Armou-se uma revolta e após um breve período estavam todos os envolvidos em um clima de guerra, um exército marchando em direção ao outro.

Napoleão, grande estrategista que era, antecipou movimentos, definiu posições e usando táticas certeiras aniquilou as tropas inglesas e seus aliados austríacos e russos. Tudo isso durante 9 longas horas do dia 2 de dezembro de 1806. Essa batalha, a história tratou de chamá-la de Batalha de Austerlitz ou a Batalha dos 3 imperadores, e foi a vitória mais emblemática de Napoleão.

Dimitri dá um salto da cadeira, olha para Stefano e com a mão por dentro do próprio paleto, tal qual Napoleão, brada como um Imperador:

- And after the triumphant victory Napoleon said to his loyal soldiers: All you need to say is ‘I was at the Battle of Austerlitz‘ and everyone who hears will nod their head and think, ‘There goes a brave man!

Napoleão sabia, àquela época, que havia chegado ao topo, estava no apse, e tinha consciência de que lá estava. Costumava falar que fazia a sua própria sorte e quando achava o que lhe era melhor, aproveitava e saboreava o gosto da vitória. Esse era o seu destino, o melhor, a glória.

Nesse momento Dimitri é interrompido pelo garçom, que lhe oferece a rolha, questionando se poderia servi-lo. Tratava-se de um Gevrey-Chambertin. Um borgonha do Domaine Armand Rousseau. Chambertin, é uma sub-região incrustada no coração da Borgonha, onde se produz em uma boa safra vinhos inigualáveis, robustos e com um excelente potencial de guarda, afora seu aspecto militar, forte escuro e pesado.

Stefano, com todo esse ode à França, já estava tramando seu próximo, novo-velho destino, quando o cossaco provou que ouvira a conversa desde o ínicio.

Dizia ele que um Chambertin era o vinho preferido de Napoleão. Depois de provar esse vinho não se satisfez com nenhum outro, já havia encontrado sua glória, havia encontrado seu destino. Napoleão sempre soube quando havia atingido o topo.

Tokaji Aszú e o Elogio Inesperado


Stefano saiu do Uruguai pensando ter evoluído em questões que antes lhe tiravam o sono. Sentiu-se confortável. O que havia aprendido, tanto com as suas próprias reflexões, como com a experiência de Gonzalo, lhe davam estrutura para arriscar novas aventuras. Conhecendo a si mesmo, ao menos um pouco, fica mais fácil de decidir para onde se quer ir ou o que conhecer de outros lugares.

A sua passagem era com destino a Londres, mas Stefano não estava sentindo um desejo de se aventurar por aqueles lados, pelo menos por enquanto. Não que a Inglaterra não lhe agradasse, certamente haveria inúmeras experiências únicas na terra da rainha, apenas não era o momento.

Uma vez desembarcado em Londres, nosso enofriend não encontrou voos disponíveis e que se encaixassem no seu radar. Acabou ficando em uma lista de espera, juntamente com algumas pessoas que se amontoavam na frente do balcão da Cia. aérea.

À sua frente, Stefano avistou um casal já com uma certa idade, que parecia estar embarcando para sua segunda lua-de-mel. Com um vistoso penteado, bem arrumado, ao estilo da vovó, a senhora recebeu em seu rosto rosado um beijo de seu marido que se afastou do balcão por alguns instantes.

Stefano ficou a observar a senhora que fitava seu amado, de terno cinza e um inconfundível Borsalino Fedora, a sumir pelo saguão. Ela se distraiu por alguns momentos com seus documentos, passagens, passaportes, quando de repente é surpreendida pelo gentil toque de uma pétala em seu rosto.

Seu marido havia retornado e trazia uma singela margarida de presente, cheia de sentimentos. A derretida esposa, olha-o como se estivesse ouvindo harpas tocada por anjos, e diz em um sorriso e com um acento britânico inconfundível:

- What a lovely gesture! You know how much I love Daisies.

- I like surprising you…. A flower... A compliment... always when least expected! Responde o marido.

Cena linda, pensou Stefano com seu carrinho com apenas uma mala. Eles devem, certamente, estar fazendo essa viagem para celebrar sua segunda lua-de-mel, apesar de aparentemente ainda estarem vivendo a primeira.

A alegria do casal parece ter trazido sorte para Stefano que consegue um lugar no vôo que o levaria para a Hungria; em algumas horas estaria diante de Budapeste e de uma folha de papel em branco para preencher.

Desembarcando em Budapeste, com a brisa do Rio Danúbio a fazer brincar as folhas do guia turístico do Leste Europeu, Stefano se refugiou numa espécie de taberna frequentado pelos tipos que deviam aterrorizar a turminha do outro lado da cortina de ferro. Naquela tábua de tragos, havia um senhor que protegia uma garrafa com muito mais afinco que pedia proteção a Santo Estevão, santo esse onipresente em Budapeste.

Num inglês diretamente de Moscow, o aparente cosaco disse se tratar de um vinho produzido ali próximo, cerca de 200km de Budapeste. Doce como um discurso de Lenin e macio como a eterna bandeira grafada CCCP dançando ao vento num domingo de agosto na Praça Vermelha, assim era o vinho nas palavras do camarada.

Ahhh a velha camaradagem comunista.... Ao demonstrar interesse no vinho e na história do companheiro, o tal começou a discursar sobre esse fenômeno do leste:

- Aqui, produz-se o vinho mais doce, mais puro e com as melhores uvas de todo o mundo! O ocidente curva-se diante da exuberância do Tokaji, caro menino do novo mundo.

O amigo comunista estava muito entusiasmado em poder apresentar ao forasteiro que seu mundo, apesar de não mais existir, era ainda capaz de surpreender.

Palestrava ele que o Tokaji, produzido na região de Tokaj-Hegyalja pode ser composto de apenas 6 vinhas, Furmint, Hárslevelű, Moscato Gialla, Zéta, Kövérszőlő, Kabar. Esses vinhedos são acometidos do mesmo fungo que ataca as já visitadas vinhas de Sauternes, o botrytis.

O cosaco bebia um Tokaji do tipo Aszú, que de tão emblemático é citado no hino nacional húngaro, e facilmente supera os 14% de graduação alcoolica, talvez daí a sua adoração. Esse vinho era novidade para Stefano, não só pelo vinho em si, mas pela localização onde é produzido e pelo valor que lhe é dado em um lugar de onde não provém qualquer tradição vinícola, certamente uma surpresa.

O único destino disponível, a Hungria, sem qualquer razão que chamasse a atenção do nosso globetrotter, acabou o regalando com a mais incrível e doce surpresa. Da Hungria para Stefano, a compliment when least expected!

Pizzorno e o Mais Egoísta dos Vinhos

Despedidas, às vezes, se arrastam por algum tempo e não se constituem apenas de um aceno, um aperto de mãos, um abraço ou um beijo. Gonzalo e Stefano haviam se despedido mais de uma vez e teimavam em se reencontrar.

Stefano partiria do Uruguai no dia seguinte, e deixando a Finca Narbona para trás, tomaram o rumo de Punta del Este. De Carmelo até Punta há um longo trajeto a ser percorrido. Do lado de fora da caminhonete o visual parecia uma fazenda sem fim, apenas possível separá-las pelas cercas que de tempos em tempos apareciam para sugerir que ali habitavam outras criaturas afora o gado.

Com o bater dos materiais de pintura no porta-malas, Stefano se recordou das palavras de Gonzalo quando ainda estavam em solo portenho, sobre o que pensava acerca das obras de arte.

Na tentativa de aclarar suas idéias ao amigo, Gonzalo disse novamente do seu gosto em produzir arte, em qualquer de suas formas, e que ela é a forma mais egoísta de qualquer expressão artística.

- Para ser arte, el objeto no puede tener ninguna otra habilidad de ser ella misma. No puede haber otra opción que admirar. El arte es la actividad más egoísta del mundo, porque el arte no tiene otro propósito que ella misma.

Uma obra de arte não pode ter qualquer outra razão de ser afora ela mesma. Assim são elas, pensou Stefano, ficam ali a espera de um admirador para que possam cumprir seu destino, e ao mesmo tempo os admiradores ficam à mercê dessa arte, para que se possa, ao menos por um pouco, nos deixar levar por outras emoções e sentidos. Tal como Nietzsche que disse que, “Temos a arte para não morrer da verdade”.

Antes de chegar a Punta del Este, um desvio no caminho para deixar Stefano no Aeroporto Carrasco em Montevideo. Check-in feito e ainda restavam algumas voltas no ponteiro para o avião de Stefano partir sabe-se lá para onde. A dupla se acomodou em um restaurante e pediram, para acompanhar o suculento chorizo, mais um exemplar da uva definitiva do Uruguai, a Tannat.

O garçom não tardou a chegar com um Pizzorno Reserva Tannat 2006, tinto elaborado com as melhores uvas dos vinhedos Pizzorno em Canelones; tem potencial de guarda de 10 anos e é dotado de uma cor rubi, quase púrpura com aroma de ameixas e frutas do campo. Os vinhos de tannat possuem bastante corpo e estrutura e denotam elevada presença de taninos, um vinho marcante que, segundo quem entende, é ideal para acompanhar pratos com molhos fortes, carnes vermelhas, isto é, à altura da força desse vinho.

Enquanto o vinho era aberto, Stefano e Gonzalo pareciam dividir o mesmo pensamento, se o vinho poderia ser considerado uma obra de arte. Ao que deram o primeiro gole decretaram que o vinho não é uma obra de arte, não é o vinho algo para ser admirado, venerado. Para que ele atinga nossos sentidos, o vinho deve ser consumido, para que ele aconteça ele precisa se doar. O vinho, portanto, não é uma obra egoísta, mas um tannat, de fato, é o mais egoísta dos vinhos.

Baron D'Arignac e o Dia para Lembrar

Esses dias eu li que nenhum homem é uma ilha, a não ser que você se chame Fernando de Noronha. Piadinhas de fora, é verdade que todos interagimos e somos influenciados por outras pessoas o tempo todo. O que uma pessoa faz da sua vida pode ter reflexos positivos ou negativos na vida de outras, e elas nem precisam interagir diretamente.

Posso dizer com uma certa segurança que a vida do Ayrton Senna influenciou a minha, e tenho um pouco de dúvida que a minha tenha influenciado a dele. Afora um autógrafo em São Paulo em 1990 ele nunca mais me viu, já eu via ele toda a semana.

Eu adorava ver a Fórmula-1 naquela época, ainda assisto sempre, mas naqueles tempos eu participava das corridas, não era só um gurizinho de pijama tomando Nescau domingo de manhã, era meu herói que estava competindo e eu assistia tendo a certeza de que ele ia fazer todo o possível para ganhar, de tudo e de todos. Ele pregava essa determinação, não importando quem tinha mais condições, quem tinha melhor carro, ou quem conhecia melhor a pista, ele procurava fazer o seu melhor sempre; independentemente das adversidades fazia as coisas ao seu modo.

Depois de ter atingido o ápice, em uma temporada a de 1993, Senna estava com um carro bem inferior aos demais. Teve um dia, era domingo de páscoa de 1993 e eu estava na praia. Me lembro que acordei cedo para comer chocolate e ver o Grande Prêmio da Europa. Meu pai já estava às voltas com o churrasco do dia e eu na frente da televisão esperando começar a corrida.

O tempo não estava dos melhores, na praia, na corrida estava horrível...uma chuva, dizem que foi o pior clima em que uma corrida começou. Luz verde...e foi aí que aconteceu, após a largada, foi dada a volta mais perfeita da história da Fórmula-1. Senna largou em quarto, caiu para quinto, e passou todo mundo até terminar a volta em primeiro lugar. O restante da corrida foi nesse mesmo nível, um espetáculo.

Acabada a corrida, parecia que o Brasil tinha ganho uma copa do mundo na rua da minha casa. Os vizinhos conversando sobre a vitória, falando dos detalhes do brasileirinho, com um carro inferior, superando o clima e os adversários de uma maneira vexatória de tão superior. E eu lá, participando de tudo isso, meu herói tinha vencido. Eu me lembro desse dia.

O Baron D’Arignac é a marca de vinho francês mais consumida no Brasil, está largamente distribuída em lojas especializadas e também em supermercados a preços bastante acessíveis. O tinto, elaborado com uvas de diversos vinicultores de Languedoc Roussillon e produzido pela Les Caves Landira, é um vinho fácil de se beber e acompanha bem carnes e queijos variados, dizem os especialistas. Esse era o vinho preferido do meu avô.

Teve um dia, eu estava começando a entender o que estava fazendo na faculadade de Direito, devia ter uns 20 anos. No final daquela semana, fui para Caxias, meus pais estavam viajando e fui jantar na casa do meu avô, Carlos Cesa. Nós conversamos sobre o que eu estava aprendendo na faculdade e ele me mostrou toda a coleção de livros de Direito Comercial que ele tinha. Depois preparou uns sanduíches de lebre em conserva, com pimentões e a “pomarola do vô” e tomamos uma garrafa de Baron D’ Arignac, aliado a diversos comentários da minha vó para que ele parasse de beber.

Entre uma lebrezinha e outra, perguntei qual vinho era o melhor de se tomar, ao que ele me respondeu que “vinho bom é o vinho que a gente gosta, independe de preços, avaliações, apenas seu mais puro gosto. E isso não vale só para os vinhos, vale para tudo; vá sempre pelo seu gosto”. Eu me lembro desse dia.

Hoje, o Senna e meu avô não estão mais por aí, mas suas experiências e exemplos, seja pela televisão ou pela mesa de jantar, contribuíram de alguma forma para a minha própria vivência. É importante, de tempos em tempos, lembrar desses dias.

Finca Narbona e a busca da Perfeição

Dizem, os professores com seus cardigans, que tudo tem que ser feito devagarinho, um passinho por vez. Stefano havia tido a primeira aula dessa matéria quando estava viajando sem rumo e acabou na Argentina. Afora o excelente Malbec que conheceu, levou importante lição do, agora amigo, Gonzalo sobre como encarar a estrada da vida e do vinho e conviver com a certeza de que ela é, de fato, infinita.

O banco frio e desconfortável do Terminal del Sol em Mendoza era o único divã disponível para Stefano encostar a cabeça e deixar fluir suas idéias. Nos últimos tempos, sua vida estava sendo movida pelo medo de não conhecer tudo, de não experimentar; impulsos esses que, apesar de levarem para frente, estavam cobrando um preço muito alto pelo trajeto.

Nessas horas é bom ter amigos, de longa data ou de ontem, pessoas que tragam um pouco de ar fresco e nos façam olhar em outra direção.

Um agudo barulho de freada de automóvel ecoou pelo átrio do Terminal de Omnibus fazendo Stefano dar um pulo do banco e acordar do transe. Ainda atordoado, vê uma figura bonachona e conhecida sair apressadamente de uma Caminhonete. A sua carona, com atraso, finalmente havia chegado.

- Perdón por la demora, Stefano. Estaba comiendo unos panchos con mostaza y se me hizo tarde.

Gonzalo, dessa vez, não parecia aquele senhor com ar acadêmico que havia lido todos os livros do mundo. Continuava sábio nas palavras, por óbvio, mas sua calça jeans, o cinto escondido pela barriga proeminente e a camisa polo amarela já davam a entender que a viagem seria diferente.

O caminho dos vinhos é infinito e o que vai em direção a Punta del Este é longo, mas termina. Gonzalo ia para casa, descansar; Stefano, para qualquer lugar. E naquele momento, o lugar era a RA-7 com destino a borda do Rio de la Plata.

Não havia espaço para o mochila de Stefano em qualquer lugar da espaçosa caminhonete de Gonzalo. A profusão de telas, rolos e maletas era tanta que a tal backpack e a sacola com uns vinhos comprados em Mendoza foram junto no banco da frente.

- O que são todas essas telas e materiais? Perguntou um Stefano, para variar, intrigado.

- Es el material de una de mis aficiones. Yo hago la más egoísta de todas las cosas en el mundo, obras de arte. Es una terapia para mí pintar cuadros y otras cosas también.

Gonzalo tinha uma cara de que gostava de deixar fluir sua criatividade, demonstrar aos outros seus pensamentos por outras vias. Nessa conversa percebeu-se que guardava profunda admiração por Vincent Van Gogh. Via nele todas as qualidades que admirava na pintura. Fã assumido do holandês, lhe agradava muito Os Comedores de Batata, mas não deixava de salientar que esses poucos gênios trazem consigo uma história igualmente única.

O nosso cortador de orelhas, explicava Gonzalo, estreou na vida com o mesmo nome do irmão que havia morrido um ano antes. Ou seja, os pais deram ao pequeno Vincent o mesmo nome do seu falecido irmão, na expectativa de suprir qualquer situação que talvez a psicologia explique.

- Imagine, niño Stefano, Van Gogh cada vez que regresó de la escuela, cerca del cementerio, pasó la tumba de su hermano, y vio su nombre escrito en esa lápida!

Stefano ficou a pensar o que se passava entre as orelhas do futuro pintor, seria ele uma farsa de si mesmo ou seria ele uma tentativa de seus pais de reviveram o que já havia passado? O filho que os pais de Van Gogh viam não era aquela criança que estava ao seu lado, sempre quieta e com problemas de relacionamento, viam uma criança imaginária com todas as caracteristicas e expectativas que a cabeça de seus pais podiam conceber.

Por fim, o uruguaio lembrou que na vida todos temos expectativas e vontades que sempre beiram a perfeição, perfeição essa que não existe. Colocamos nos nossos filhos, nos nossos quadros, nas nossas metas, objetivos e anseios que a eles não cabem ou não são possíveis de se atingir.

A estrada era longa e com a companhia das idéias sobre as expectativas que se tem na vida tomando conta da paisagem, nem se deram conta que já haviam deixado a Argentina e o ferry cruzado o Rio de La Plata. Gonzalo estava quase em casa, mas antes queria dar uma passada num lugarzinho...

Na pequena cidade de Carmelo, às margens do Rio de la Plata, encontra-se a Finca Narbona, construída pelo espanhol Juan de Narbona em 1732. No entanto, somente em 1909 sob as mãos do sonhador Vicente Bogliacino que as videiras começaram a ser cultivadas. Os prédios onde se realizam as atividades da vinícola são os mais antigos do Uruguai.

Hoje em dia, a Finca Narbona, produz vinhos Tannat de renome internacional, além de um dos queijos mais conceituados da Cisplatina. Tudo isso aliado a uma atmosfera que transmite todo o esmero e preopcupação que os proprietários tem em querer sempre fazer o melhor.

A surpresa de Stefano de estar em um lugar que congregasse um vinho de excelente qualidade, queijos premiados, com um ambiente único, e uma história de romatismo e paixão na sua produção só foram superadas pela ar orgulhoso de Gonzalo ao mostrar o “quintal” de sua casa ao novo amigo.

Todos nós, a bem da verdade, colocamos em nossos filhos, sejam eles um garotinho ou um empreendimento, toda a expectativa, a esperança e a vontade que sejam os melhores, os primeiros. Olhando as videiras se perdendo ao longe, pensou Stefano que é, de fato, impossível agradar a todos e ser o primeiro por unanimidade, a não ser que você esteja na Finca Narbona, onde a perfeição existe.

Villa Francioni Rosé e as Mudanças do Verão


Tudo sempre muda. Conhecem o Heráclito de Éfeso? Lá dos Éfesos, das bandas da Grécia antiga, Jônia... O papai da Dialética, como dizem os senhores de pullover. Olha, esse cara me faz pensar...Ele disse que tudo flui, tudo se move, exceto o próprio movimento. Na idéia central dele, as mudanças que todas as coisas sofrem e se proporcionam é uma eterna escalada entre contrários.

Assim, as coisas quentes esfriam, coisas frias esquentam, o que é seco fica molhado e o que é molhado fica seco. Pra esse carinha, o tal Heráclito, a realidade nunca é uma escolha, tipo é quente ou é frio. Para ele o quente e o frio são partes dessa mesma realidade. A realidade se apresenta na mudança, essa troca, essa guerrinha entre o quente e o frio é que marca a realidade, um não pode existir sem o outro. Tipo, eu não posso saber o que é ser saudável, se eu nunca fiquei doente.

O que importa dessa lição é que tudo flui, tudo muda, tudo se aprende. Desse mesmo maestro que saiu aquela máxima que todo mundo já ouviu “Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio...”. Tudo sempre muda...

Ainda mais no verão...Tudo sempre muda no verão... Pode ter certeza que um pouquinho antes do Natal, tu acha muitas coisas, tem várias verdades, aquilo é porque é daquele jeito.... mas te garanto my friend, até o Carnaval tu já mudou de opinião, já passou muita água do mar debaixo da tua ponte...

Às vezes, nem se sabe o que mudou, mas o sentimento já não é mais aquele, só se sente que o que era já não é mais. É engraçado porque de agosto a outubro as coisas não parecem mudar tanto assim, né? Elas vão indo, na água morna, mas acontecer, com letra maiúscula, é mais complicado.

Porque o verão é assim, uma época de ver outras coisas, mostrar novidades, sair da zona de conforto e deixar acontecer. Ir além do dia-a-dia da cidade e seu trio infalível e inconfundível de calça, camisa e sapato. No verão, não existe what If, na maioria das vezes só se tem uma oportunidade, aquele dia de mar perfeito, seja cheio de ondas ou seja sem aquela cor de chocolatão. Quantas vezes já não vieram te dizer que naquele dia tu tinhas perdido um dia fantástico na praia, o melhor mar do verão?

Eu me lembro dos meus verões em Torres, daquela época que se ia para a praia depois do Natal e quando terminava o Carnaval eu ainda estava lá, não me lembrava nem como se segurava uma caneta, mas sabia todos os esconderijos possíveis na vizinhança para fugir no “Polícia e Ladrão”. Não tinha, lá no início dos anos 90, internet, Enofriend, Orkut, MSN, celular, e telefone fixo em casa de praia não era lá muito comum, ou seja, se perdia totalmente o contato com os amigos da cidade que iam para outras praias.

Pois é, no verão o cenário muda e são, na maioria das vezes, acrescentados novos personagens à nossa história. Nesse último verão fiquei nu, me despi... perdi um preconceito... Tinha um pé atrás com vinhos rosés nacionais e nem queria saber de nada.

Nesse verão mudei de idéia, e não foi a contragosto, foi bem por querer mesmo... Inclui na minha lista de bons vinhos disponíveis facilmente por aqui, o Villa Francioni Rosé 2008.

Esse rosado de uma cor salmão excepcional, é produzido com as uvas Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Malbec, Syrah, Sangiovese, Pinot Noir e Petit Verdot. No meu modesto paladar, ele ainda está atrás dos rosés franceses que já provei (esse aqui e esse outro), mas certamente é o melhor rosé nacional que encontrei até agora.

Os verões são mesmo capazes dessas mudanças, que no fim das contas sempre vem para nos mostrar outra realidade, ou como ensinou Heráclito: a mesma realidade, apenas uma outra alternativa.

Mondovino – Entre o Moderno e o Romântico

Dia desses, aproveitando uma folguinha a beira-mar, me programei para assistir ao tão comentado documentário Mondovino, produzido em 2004 por Jonathan Nossiter.

Essa grande obra conta com a participação de grandes ícones da enologia moderna como Robert Mondavi (mega produtor de Napa Valley), Michel Rolland (um dos mais procurados consultores de vinho do mundo), Robert Parker (maior crítico de vinhos do mundo) e Michael Broadbent (responsável pela área de vinhos na casa de leilão inglesa Christie’s) falando sobre os caminhos que o vinho está percorrendo para se tornar um produto adaptado ao mercado mundial de hoje.

Do outro lado, é apresentado o lado romântico, a belle époque da produção vinícola. O jeito tradicional de se produzir o vinho é trazido nos depoimentos de nobres produtores, notadamente franceses e italianos.

A linha mestra do documentário gira em torno do possível círculo vicioso que está se formando em torno da avaliação de vinhos e a uniformização do sabor. Essa uniformização é representada pelas técnicas aplicadas e sugeridas por consultores que parecem, em tese, agradar aos críticos que, por conta disso, atribuem boas nota a esses vinhos, fazendo com que “tornem-se” melhores aos olhos dos consumidores, o tal círculo vicioso.

É mostrado o contraponto a essa questão, trazendo a história de diversos produtores tradicionais, que preparam seus vinhos procurando extrair o melhor do terroir e deixando o vinho com os sabores que ele possui pela sua natureza e não os manipulados pelas técnicas humanas, tal como a micro-oxigenação.

Os produtores modernos querem agradar a maior parcela de mercado possível para garantir maior receita e expandir seu negócio, o que é muito justo; e de outra sorte os produtores tradicionais querem manter a máxima de Galileu que disse que “Wine is sunlight held together by water”, sem mais nem menos.

Certamente é uma produção que merece ser vista, um duelo entre o moderno e o romântico, que influencia diretamente o nosso paladar. Saber quem está certo é complicado, o mais provável é que ambos tenham sua parcela de razão, é uma decisão difícil, mas eu sempre fui um cara romântico.

Vinicola Carinae e a Utopia do Vinho

Ele chegou de volta por ai esses dias, com um sorriso como há muito não se via. Stefano estava com aquele olhar tinto da época de berçinho. O jumbo da Pan-Am desembarcou na Terra Brasilis com nosso queridão cheio de garrafas e histórias para contar.

Mal chegou em casa, jogou a mochila na velha cama que hoje já não é mais porto seguro de nada, colocou alguns Bordeaux e uns Sauternes na adeguinha do lado da escrivaninha do quarto e parou para pensar no que havia acontecido nos últimos tempos.

Havia ganhado o mundo, vivido seus sonhos e de repente de volta a casa. Deitou no sofá da sala e sorriu; aquele sorriso de dever cumprido, de alma leve, de cabeça fresca. A TV estava no volume baixo, as imagens, de outrora, mostravam um Príncipe Charles jovem, falando sobre conflitos políticos, uma guerra em plena América do Sul, na tal das Malvinas, para o Príncipe: Falklands.

Stefano jamais tinha ouvido falar de tal lugar, certamente conhecia a Argentina e seus arredores, mas as Ilhas Malvinas eram uma novidade. Quantos lugares ainda lhe faltavam conhecer no mundo? Quantos seriam os lugares de que sequer havia ouvido falar? Essas dúvidas foram suficientes para que ele desse um pulo do sofá, deixasse o Príncipe falando sozinho, e com a velha mochila de volta à paleta saiu em busca, em busca... em busca de que?

Estava estranho o nosso desbravador, a mera possibilidade de não conhecer todos os lugares do mundo, todos os vinhos do mundo lhe trazia um desconforto, que embora o fizesse buscar sempre mais, acabava deixando-o por demais angustiado. Nessa ânsia, tomou um ônibus para o Uruguai ou Argentina, nem ele sabia... Tannat ou Malbec, tanto faz, como diz a sra. Venegas, “me despido de ti y me voy”, e se fue rumo ao sul.

Sentado na beira do assento, olhando o pampa pela janela, mal percebeu que um senhor, já grisalho, se sentara ao seu lado... a sra. Venegas tratava de deixá-lo alheio aos ruídos do mundo. E este senhor, tranquilo, se pôs a ler um livro, serenamente respaldado no conforto da experiência.

Low bat...com a voz de Julieta Venegas se esvaindo com o fim da bateria, Stefano, somente agora, notava a presença do seu companheiro de jornada. Após um cordial sorriso, insinuou ser um daqueles gauchos (não gaúcho, mas un gaucho, manja gÁucho), se chamava Gonzalo e lia um livro de um compatriota uruguaio chamado Eduardo Galeano, Las Palabras Andantes.

Stefano sentia que precisava desabafar sobre as questões que estavam a lhe tirar o sono, e como os pampas já estavam se tornando repetitivos, falou sobre seu desejo de conhecer todos os vinhos do mundo e a impossibilidade de, de fato, o fazer. E se era impossível, por que tentar?

Gonzalo, pacientemente, ouviu toda a síntese do turbilhão de dúvidas e contradições emocionais que se passavam na cabeça do jovem e, do alto de sua sabedoria, proferiu lição do livro que o acompanhava:

- Ella, la utopía, está en el horizonte. Me acerco dos pasos, ella se aleja dos pasos. Camino diez pasos y el horizonte se corre diez pasos allá. Por mucho que camine, nunca la alcanzaré. ¿Para qué sirve la utopía? Para eso sirve: para caminar.

Em um primeiro momento, Stefano considerou que aquela frase fosse apenas para que ele se desse por satisfeito e deixasse o gaucho voltar para o seu livro. No entanto, como um vinho que precisa descansar para se tornar melhor, aquelas palavras ficaram vagando pela sua cabeça por um tempo e antes de cair no sono, perguntou à Gonzalo:

- Qual o destino final dessa viagem?

- Mendoza. Disse ele.

Viagem longa, viagem necessária...Gonzalo voltava do toalete quando os primeiros passageiros já se preparavam para desembarcar na argentiníssima Mendoza. Stefano, com as ideias frescas e dormidas, se perguntava sobre como fazer essa caminhada, sabendo que o horizonte sempre se afasta, qual a receita para esse sucesso afinal? Gonzalo, em tom de despedida e boa-sorte, disse num sorriso:

- Haga, en la vida, siempre lo mejor que puedas, con la fuerza de papá y la clase de mamá.

Assim se despediram, Gonzalo convidou o novo amigo a visitar seu país e conhecer o famoso reduto do Tannat, mas enquanto não era a hora de ir a República oriental, pensou em provar algum Malbec, afinal estava em Mendoza.

Em um restaurante especializado em cortes daquela região, a fome pedia uma parrillada completa, e para acompanhar, olhando a carta de vinhos descobriu seu companheiro de almoço. Um Vinicola Carinae Reserva Malbec 2007, feito ali mesmo, na grande Mendoza.

Esse grande vinho argentino, elaborado por franceses e sob a supervisão do conhecido Michel Rolland, recebeu 87pts pela avaliação de Robert Parker. O Malbec Reserva 2007 dessa vinícola boutique, atende pelos predicados de cores profundas, complexidade, e envelhecimento de 12 meses em barricas de carvalho francês, certamente digno de tal viagem.

Enquanto os pratos da parrillada iam e vinham, Stefano se pôs a pensar que, no mundo do vinho não há como conhecê-los todos, se percorre uma estrada sem fim, sempre haverá um novo vinho a experimentar ou um velho a se descobrir. A estrada é mesmo sem fim, dá-se um passo a frente e ela teima em se estender um passo ao horizonte; não nos resta nada a não ser continuar caminhando, com a força do papai e a classe da mamãe.

O Melhor dos Acompanhamentos

Ando pensando bastante sobre a vida ultimamente. Todas as coisas que vem pela frente, mudanças, crescimento, responsabilidades... Não pensem que, só porque ando em um momento chave da minha vida, que esse lance só se aplica a mim. Na verdade se aplica a todo mundo.

Todas as pessoas se questionam sobre tudo o tempo inteiro. Seja a criança que acha que não tem que estudar, afinal jogar futebol é tudo na vida, ou que curso fazer quando terminar o colégio. Há sempre a obrigação de escolher, não se sabe onde vai passar as férias, mas precisa decidir o futuro de uma vida inteiro, e se pensa, amigo... ah se pensa...

Lembra dessa época? Olha, eu lembro da minha... Que época boa, vou te dizer... até ir pro colégio era legal. Claro que, física e matemática não eram a principal alegria do dia, mas valia a pena o sacrifício porque grandes amigos estavam juntos nessas horas. Acabava a aula, todos se reuniam na frente do colégio para combinar o que fazer na tarde ou no final de semana. Grupo de Estudos? Não, o caminho era um só, nos reunirmos em algum clube para jogar tênis, futebol, fazer nada, churrasquinhos.

Era essa nossa vida e não se queria nada mais... e que bom que foi assim por um longo tempo. Grandes amigos se formaram nessa época. Amigos daqueles que se diz que serão amigos pra vida toda. Sabe aquela velha história, tipo vamos combinar uma janta um dia desses, aquela história dos amigos para siempre...

A vida se encarrega dessas promessas, uma vez que os interesses comuns não mais existem, a convivência vai ficando mais rara. Todos tinham que ir ao colégio, agora cada um na sua faculdade, na sua nova cidade, no seu novo estado ou até no seu novo país. Pois é, as velhas juras do “vamos combinar”... o que fazer com elas, quando a vida torna a rotina tão difícil de se conciliar? Os encontros corriqueiros e usuais agora são raros, e quando acontecem, são incompletos, pela falta de quórum.

O ideial é que se tivesse tudo na vida, mas não é bem por ai...o que, olhando bem, não é de todo ruim.. por uma questão pura de economia. Se eu tenho 100 canetas, cada uma delas vale pouco; agora, se eu tenho 1 caneta, o valor dela é inestimável para mim. Desse modo, quando os amigos se viam todos os dias, essa atividade não era nada de especial; depois de toda uma década de raros encontros, o valor é, de fato, inestimável.

A vida vai seguindo sua marcha, os garotinhos que iam para o clube todos os dias, agora querem uma turminha de duas pessoas... querem casar. Passou-se o tempo de estar com os amigos todos os dias e ser a eles a quem se recorria na primeira incerteza. Agora se quer uma companheira para toda a vida, se quer olhar para frente e caminhar junto com ela por todos os cantos do mundo. É um pedaço da vida que termina, para outro começar; os tais ciclos, dizem.

Um grande amigo meu se casa nessa semana, vivemos todos junto com ele grandes momentos, de tempos esses que a memória faz parecer recém passados, mas que, de fato, demonstram uma longa e esplêndida jornada. Garanto, em nome de todos os amigos, que essa ciclo foi inesquecível, não somente pela época em que aconteceu, mas, principalmente, pelas pessoas que nos acompanharam.

Lembram do “vamos combinar”? Lembram da Caneta? Pois é... o vamos combinar, foi combinado, e o casamento é de fato uma caneta única... Resolvemos celebrar a nossa amizade e desejar vida longa ao nosso amigo com um evento que teve 3 gratos convidados, conhecidos convidados e boas surpresas.

Para alegrar nosso almoço, com nosso espírito leve e feliz, nada melhor que um rosé da provence. Eu, que sou fã número desse tipo de vinho até tentei ficar quieto, mas com o aval do noivo, deixei de cerimônias e me fui.... garçom: Por favor, traga um Domaine Sorin – Terra Amata 2009, balde com gelo, acerte o seu relógio e keep on bringing...

Esse rosézinho de uma cor radiante, tal qual o Sol estampado no rótulo provém de um vasto blend, Grenache, Cinsault, Syrah, Mourvedre, Carignan, Rolle e Ugni Blanc... ufa... Combinou perfeitamente com a nossa vibe de celebração e nostalgia.

Mas toda a vitória tem um brinde, e brinde se faz com espumante, certo? Certo. Brut ou Moscatel? Eu prefiro brut, mas e os outros? Ahhh, garçom, traz de tudo, que hoje é festa! E vieram... uma excelente Cave Geisse 2005 Brut e segundo fui informado, uma doce e competente Terranova Moscatel.

Digo só uma coisa, que Cave Geisse... beijo pra ti, Cave Geisse...

Todos naquela mesa eram de Caxias, e logo da uva e do vinho, uns ainda moram lá, outros foram tentar a sorte em outro lugar, e tem os que já foram e agora estão de volta. Fomos inseparáveis por um tempo, hoje estamos quase sempre distantes, mas temos a certeza de que, quando nos encontramos, estamos sempre bem acompanhados, tanto de amigos como de vinhos.

Masi Passo Doble e o Acquired Taste

Eu aprecio a experiência, quem não, né? Sabe, aquelas coisas que vão se coletando com o tempo, que passam como que por mágica pro nosso HD, que muitas vezes, ninguém sabe e ninguém viu de onde vieram e por que estão ali, mas são fundamentais para a compreensão dos fatos.

Quando somos pequenos, não sabemos nada de nada... todo cachorro é mansinho, terra e chocolate granulado são a mesma coisa, os pais sempre foram ótimos alunos e sempre falta mais meia hora pra chegar na praia.

Mas nós crescemos amigos, sim... com 13, 14 anos já somos mais inteligentes e sabidos que qualquer pessoa do mundo. Beber um copo de vinho já é ser um sommelier. Com uns vinte e poucos, a gente começa a notar que de fato, o pouco que sabe ainda não é nem a gorjeta comparado com o que o carinha de cabelos brancos que te carregou no colo conhece.

Mas assim é a vida, uns sabem e outros tem vontade de aprender. E vai se aprendendo com a vida e com o tempo.... O grande mestre Juan Manoel Fangio falando sobre a experiência disse que:

En el principio cuando yo corria, todo lo agarrava fuerte, hasta que me lastimava las manos. Despues, comprendi que com los dedos se manejava mejor. Todo se va haciendo con el tiempo, nadie nascio sabiendo...

Olha, concordo com o amigo Fangio, concordo porque não é só a experiência adquirida, mas sim o caminho percorrido em sua busca. Não é um belo dia que se acorda experiente, sabendo... é um caminho que se percorre. As coisas são adquiridas com o tempo, do kart a Formula-1, do suco de uva ao vinho.

É... com o tempo... se acostumando com os sabores e suas complexidades, é assim que se apresenta o acquired taste. O acquired taste é um conceito que se refere a uma comida ou bebiba que é incomum ser apreciada por alguém que não está acostumada a ela.

Levante a mão quem gostou de sushi desde a primeira vez que o comeu... não vale hot... Quem com menos de 15 anos gosta de café espresso? Quando tu começou a gostar de azeitona? E o vinho tinto, hein?

Vinho tinto não é bem assim também, you gotta “learn to like”.

Eu concordo com isso, estou aprendendo, estou tentando, um passo de cada vez.

A minha escolha da vez não é um mero passo, é sim, um passo doble. Trata-se do Masi Tupungato – Passo Doble – 2006. Um argentino cheio de si, se é que existe algum argentino que não seja.

É uma excelente combinação de Malbec (65%) , Merlot (5%) e Corvina Passificada (30%). Pois é, a Corvina, a essa uvinha italiana é dado o tratamento de uva passa, onde grande parte da água é perdida e concentra bastante açúcar e, quando adicionada ao mosto do malbec e merlot, ocorre uma segunda fermentação, resultando em num vinho fresco e seco, dizem que ideal para acompanhar diversos pratos, especialmente pizzas, dizem eles...

Pois é, pensando sobre isso, acho que ainda estou muito longe, apesar de apreciar bastante, de ter já adquirido ou “aprendido a gostar”, mas isso no fim das contas não é fundamental. Como disse o Fangio, tudo se aprende com o tempo, então, continue treinando que um dia se chega lá.

A Panturrilha e a Rolha

Às vezes eu apareço

Outras não se pode me ver

Mas é preciso dizer

Que um elogio eu mereço

Ela está sempre ali. Às vezes a mostra, às vezes coberta, umas maiores, outras mais curtinhas, algumas esguias, todo mundo a conhece, mas quem a admira? Sim, muitas vezes não é notada, é tratada com desdém, pobre dela, pobre panturrilha, tão esquecida.

Tadinha, confesso, gosto de detalhes, me preocupo com os mínimos quesitos de tudo, pois eu acho que é ali que a essência se mostra.

Não, não... não acho que a essência da pessoa esteja na batatinha da perna, estou só mostrando que eu presto atenção nos detalhes, ok? Mas o fato é, como não admirar uma linda panturrilha feminina? Daquelas esguias, lisinhas, sabe... começam lá no tornozelinho e vem subindo e até que formam aquela porçãozinha... tipo aquelas que sempre desfilam no La Barra..saca?

Ai, ai.... mas onde que eu tava? Ah sim! Os detalhes... como faz diferença quando até os detalhes se encaixam. Será que estou sozinho nessa? As pessoas prestam atenção nos atributos mais mainstream, que o grande Alfie Elkins definiu como FBB (face, boobs and bum), e deixam de lado essas preciosidades.. tão esquecidas, todas com sua grande contribuição para o conjunto da obra.

Deixem-los, amigos! Esqueçam eles, com suas visões obtusas sobre as coisas lindas da vida.... ah vocês...

Sim, sim, elas, essas mulheres, tem aquele “je ne sais quoi, manja? Tipo um saber implícito de que são dotadas de TODA a beleza do mundo. Sabem que até nos detalhes, mesmo esses que passam despercebidos muitas vezes; sabem que, além de auxiliarem na sustentação física do corpo, as lindas batatinhas erguem a auto-estima e dão aquela empinadinha no nariz, mas sem esnobar, só aquele ar de segurança, genesekua... E lá vão elas, lá passam elas, nos fazendo virar para admirar mais uma vez.

Convenhamos, parece contradição, mas para mim detalhe é fundamental. Já disse aqui que sou um cara a moda antiga, e um pouco nostálgico. Muito está se falando das rolhas das garrafas de vinho hoje em dia. O reinado da cortiça está ameaçado. A tampa rosca está chegando, crescendo e aparecendo... reivindicando seu lugar ao Sol.

Dizem eles, os especialistas, sempre esses carinhas, que ambas cumprem bem o seu papel. A suprema rolha de cortiça é imbatível para vinhos de guarda, com sua capacidadezinha de permitir uma passagem de ar ideal para que esses vinhos envelheçam da melhor maneira que conseguirem. No entanto, podem regalar ao vinho um gosto/aroma que lembra mofo, por conta da formação de cloroanisóis (oi?) na rolha, o tal “gosto de rolha”.


Já a querida tampa rosca (screw cap). Essa é muito criticada... nem de saca rolha precisa. Vale dizer que a sua vedação é perfeita e não há de qualquer contaminação, lembra dos cloroanióis?... pois é, mas e a questão da guarda? Aí os titios especialistas divergem, uns dizem que o envelhecimento se dá da mesma maneira que na rolha de cortiça, pois o ar necessário para o envelhecimento adequado do vinho já está presente na garrafa, sendo ainda melhor que a cortiça, já outros dizem que não se presta para vinhos que não se tenha a intenção de ser bebido jovem.


Sinceramente, não tenho uma opinião sobre qual de fato é a melhor, acho que teremos que esperar alguns bons vinhos com tampa rosca serem postos para a eternidade (existe algum será?).

Mas uma coisa eu garanto, da mesma forma que as chicas com suas lindas panturrilhas, os vinhos com rolha de cortiça estão todos com seus narizinhos empinados nas suas adegas.



Jesus Cristo, Pinot Noir e Dúvidas...

Olha, não sei bem ao certo quantas pessoas são, acho que muitas... milhões? Com certeza. Bilhões? Possível. Quem aqui conhece um cara chamado Jesus Cristo? Não precisa ser pessoalmente, pode ser de ter ouvido falar ou que seja amigo de um amigo. Na verdade, não tem muita importância, o que é relevante é que esse cara te seja familiar. Manja? Cabelão... barba grande, sempre daquele jeito meio per fare, uma túnica branca e uma sandália de couro da Richards meio fora de moda. É assim que todo o mundo vê o nosso JC.

O cara apareceu, ficou por uns 30 anos bem tranquilão e lá pelas tantas, virou O CARA... transformava água em vinho, multiplicava pães, ressuscitava e ainda passava aos seus amigos, os apóstolos, toda a sabedoria que ele tinha.

Jotacê era muito casca... Fundou uma Igreja, a Igreja Católica, assim, todo mundo que curtia as idéias dele viraram fãs da Igreja, pautando suas vidas conforme os seus ensinamentos.

Tá! Mas espera um pouco... Como que ele ficou tão popular? Como ele conseguiu convencer a todos que o que ele dizia era mais certo e o que fazia mais adequado? Pô! Ele era filho de Deus! Quem? Deus... o criador, que te deu a vida, o corpo, a alma... dizem, enfim a entidade suprema.

Allright...Mas Deus anda por ai? Não! Jesus nasceu da barriga de alguém? Sim! Como então? Milagre... Simplesmente nasceu... o tal de José ficou ali meio que olhando de canto, pois é amigo, teve um filho e a mulher continuava virgem. Depois dessa, passaram-se 33 anos e ele morreu. E? E? Bamm, ele ressuscitou, tipo voltou a viver... To começando a entender...o cara era filho de Deus, a mãe dele era virgem, não morre... óbvio que eu vou seguir o que ele diz, né?

Mas cá entre nós... meio sci-fi essa história né? Daí uns caras começaram a questionar essa coisa toda, porque ninguém simplesmente renasce, aí é que a coisa começa a esquentar... mas não pode... Não pode o que? Questionar! Por quê? Porque é um dogma! E daí? Daí que dogma não se discute, se aceita e pronto! E se eu não quiser? Tu tá fora! E? Tu vai pro inferno!

Opa, opa, opa... inferno é casca, dizem, acho que foi no trip advisor, que lá é pior que o Carandirú, não quero... entao? Então tu acredita. Beleza, morre e ressuscita, a mãe é virgem, tudo para não ir pro inferno...

O que não faz o medo do desconhecido né? Como a ignorância tem significativa influência no que achamos ou pensamos que achamos, principalmente. Como a realidade pode se tornar malheável se realmente queremos que algo seja verossímil.

Não só com a Igreja, não só com o sobrenatural... essas questões podem se apresentar singelamente em um rótulo, por exemplo, num mero, porém detalhado rótulo de vinho.

Recentemente, uma grande fraude foi descoberta pelas autoridades francesas. Distribuidores franceses estavam exportando para os EUA vinhos de Merlot e de Syrah como sendo de Pinot Noir, uma uva mais nobre e com um valor de mercado bastante superior.

O que aconteceu é que, após o boom em torno do Pinot Noir provocado pelo filme Sideways, em 2004, a demanda por esses vinhos na América aumentou drasticamente. Assim, acabou que não houve produção suficiente. A farsa foi descoberta pois a região de onde os vinhos eram provenientes não tinha condições de produzir em tamanho volume. Nessa fraude, que iniciou em 2006, foram vendidas mais de 13 milhões de garrafas, dentre elas o vinho Red Bicyclette, de propriedade da maior vinícola familiar dos Estados Unidos.


Essa questão é realmente preocupante, mas sabe o que me deixa assustado? Ninguém percebeu a diferença! Foram vendidas todas essas garrafas e ninguém notou nadinha... Uma das maiores vinícolas americanas não conseguiu distinguir a matéria-prima que estava comprando. Esse vinho, o Red Bicyclette Pinot Noir 2006, recebeu 86 pontos na Wine Spectator e nem Pinot Noir era, ou seja, nem os mais conceituados críticos perceberam. Será que de fato sabemos o que estamos tomando? Será que os críticos sabem realmente distinguir em detalhes ou sabendo o que está no rótulo facilita muito o trabalho? O vinho virou esse artigo de luxo que a embalagem é mais importante que o conteúdo?

Eu fico a pensar... será que preferimos não questionar e aceitar algumas coisas como nos são apresentadas para termos conforto e tranquilidade? Seja ela da garantia de um bom vinho, seja por um lugar no paraíso. Eu fico a pensar...

Graças ao Vinho que Existe o Beijo

Ainda em extase com a realização do grande sonho tinto, nosso pequeno aventureiro Stefano tratou de continuar suas peripécias pela eterna terra Napoleônica. Estava ele ainda em Bordeaux e, olhando a timetable da estação de trem Saint Jean, num lampejo açucarado decretou seu próximo destino.
- Monsieur, un billet s'il vous plaît. Allons nous!!!

O trem lentamente deixava a estação, com a companhia do Rio Garonne, quando Stefano começa a folhear uma revista aparentemente esquecida por um outro passageiro. Nosso enofriend, lá pelas tantas, se vê mergulhado em um relato de tempos já idos da nossa história, veramente interessante, e assim deixou levar-se...

Antes do início do Império Romano, época desvairada e sem limites desses latinos mucho locos, vivia-se a chamada República, período com muitas regras, normas e condutas sociais severas, sendo que para os homens: tudo e para as mulheres, o que? Nada..

Tempos difíceis para as romaninhas, e não era nem de votos ou qualquer outro direito político que estivesse sendo vetado ao dito sexo frágil. Elas não podiam beber vinho!! VINHO! A elas foi tolhido o direito de se deleitar com o nectar de Baco. Esses romanos, munidos dessa visão talibã de hoje, as proibiram de beber, direito esse somente reservado aos homens.

Nesse momento, Stefano ficou admirando a paisagem rumo ao sul, discutindo consigo mesmo se continuaria a ler esse relato, afinal como poderia o vinho ser objeto de tamanho ultraje? Resolveu continuar, com a certeza que no final o vilão se transformaria em herói.

Naquela Roma, por uma decisão do Senado, proibiu-se as mulheres de beber vinho em público, não poderiam se lambuzar em qualquer evento com seus amiguinhos de túnicas brancas a falar sobre os destinos da terra de Romulo e Remo. Mas convenhamos, regrinha fácil de quebrar essa, nénão? Deixa uma garrafinha de ladinho na bolsa e quando o guardinha nao estivesse olhando, glup! um golinho só pra dar um brilho.

Pois é, os caras conquistaram quase todo o mundo que se tinha notícia e não iam pensar nisso????

Pensaram, amigo... Pensaram.... Eles usavam o bafômetro. Mas como na verdade o bafômetro ainda não tinha sido inventado, a solução era cheirar a boquinha das romanas para garantir que nelas não havia qualquer vestígio de vinho. E assim eles faziam, os homens investigando bem de pertinho o hálito das mulheres, uma espertinha caça às transgressoras se formara e, com a evolução natural das coisas e o espírito latino em alta, para as bocas se tocaram foi rapidinho e dali que nasceu o beijo o primeiro beijo da história... Sim, o vinho foi o responsável pelo nascimento do beijo! Quem diria que além de todas as benesses do nosso campeão, o vinho nos presentearia com mais essa dádiva.

Stefano respirou aliviado, não poderia o vinho ser vilão dessa história, no fim das contas o vinho era o herói. Sem essa lei sobre o vinho, não haveria o beijo; de fato, há males que vem para o bem.

Fim da linha! O trem já estava aportando em Barsac, na regisão de Sauternes. Stefano sai da Gare e toma o rumo do grande Chateau D’Yquem, para desbravar esse Sauternes que é tido como o fantástico do mundo. Um vinho de sobremesa, que se utiliza das uvas Semillon, Sauvignon Blanc e Muscadelle. Essa pequeníssima região congrega uma série de fatores climáticos propícios para o surgimento de um fungo que ataca as uvas, gerando a dita podridão nobre. Esse fungo faz com que a uva perca água, deixando-a com um aspecto de uva passa e com alto teor de açúcar, fundamental para a o produção dos doces Sauternes, o que sem ela não teria condições de atingir esse grau de qualidade.


Mais um sonho realizado, mais um pininho no mapa. Stefano estava mesmo numa terra abençoada, em qualquer outro lugar, um fungo recorrente nos vinhedos iria ser uma desgraça, mas aqui não, aqui é uma benção. De fato, assim como na Roma Antiga, há males que vem para o bem.

Um bom Ano e o Chateau la Canorgue

Um bom EnoFriend não é só sobre beber vinhos. Existe toda uma gama de oportunidades nas quais o vinho está presente. Tanto como um grato coadjuvante ou, vez que outra, como um competente protagonista.

Assim, além de falar sobre os vinhos que aparecem pelo meu caminho, pretendo trazer histórias de livros, filmes, ou qualquer outra forma de expressão que possa se mostrar relevante.

Tempos atrás foi lançado o filme “Um bom ano” (A Good Year), no qual um broker da bolsa de Londres herda um Chateau na Provence e na viagem que faz ao lugar para acertar a papelada e vendê-lo, acaba se descobrindo apaixonado pela região e suas peculiaridades.


Achei os lugares onde o filme foi gravado sensacionais, os vinhedos ficam próximos à cidade de Bonnieux, no Chateau la Canorgue e integram a Appellation Côtes du Luberon. Segundo seu vigneron, os vinhedos são cultivados sem qualquer produto químico ou sintético, apenas produtos naturais e lots of hard work.


De fato, não sabia da existência desse chateau, apesar de descobrir que possui muito boas reviews dos seus Blanc Marsanne 2007 e Syrah 2005. Além dessas duas, são também cultivadas as cepas Grenache, Mourvèdre, Merlot, Cabernet Sauvignon, Roussane, Viognier e Rolle.

É sem dúvida um filme divertido, tendo a produção de vinhos como um belo pano de fundo.